A água é um nutriente essencial e se equivale ao oxigênio em termos de importância ao organismo, além disso é o nutriente mais consumido pelas vacas e encontrado em maior proporção no corpo dos animais, em torno de 65% do corpo de um animal adulto e 80% do feto são compostos por água. Além disso, 87% do leite é composto por água (Duque et al., 2012; NASEM, 2021).
A água é um meio essencial para o transporte de nutrientes e excreção de resíduos do metabolismo, regulação da temperatura corporal, auxilia nos processos fisiológicos, atua como lubrificante nas articulações, formação de um ambiente fluido para o desenvolvimento do feto e para a produção de leite (Duque et al., 2012; NASEM, 2021). Todavia, recebe pouca atenção, na maioria das propriedades rurais, sendo a água disponível geralmente de má qualidade, escassa, e os bebedouros mal projetados com presença de sujidades. A falta de cuidado com a água prejudica o desempenho e a saúde dos animais (Duque et al., 2012).
Existem três fontes distintas pelos quais o animal obtém água: pela água de bebida, contida nos alimentos e pela água originada da oxidação metabólica (água metabólica). A água de bebida é a principal fonte de obtenção de água pelo organismo do animal, por isso precisa ser de qualidade e de fácil acesso (Duque et al., 2012; Da Silva, 2023).
A exigência de água pelos animais é influenciada por diversos fatores como raça, peso vivo, idade, estado fisiológico, potencial produtivo, consumo de matéria seca (MS), teor de proteína e de sais na dieta, temperatura ambiente, umidade relativa do ar, temperatura da água, tipos de bebedouros, sistemas de criação e pela qualidade da água (Oliveira et al., 2016; Golher et al., 2020).
A qualidade de água é o principal fator que afeta o consumo por parte dos animais, refletindo na produção de leite e na sanidade do rebanho (Giri et al., 2020; Golher et al., 2020). Por isso, a qualidade da água de bebida dos bovinos precisa ser igual a qualidade da água de bebida dos humanos.
Uma água de qualidade é fundamental para o bom funcionamento do rúmen, para propiciar o fluxo adequado de alimentos, digestão e absorção dos nutrientes, para garantir o volume sanguíneo normal e atender as necessidades dos tecidos (Da Silva et al., 2023).
Geralmente os sistemas de criação preconizam uma análise anual de água, mas há trabalhos que relatam a necessidade de avaliações periódicas, visto que existe uma variabilidade enorme dos componentes físico – químicos e microbiológicos da água (Retamal et al., 2023). Sendo assim, uma única análise de água não representa o verdadeiro cenário da qualidade de água nas propriedades. Dessa forma, a água requer um monitoramento constante dos parâmetros físicos, químicos e microbiológicos pelo menos uma vez a cada seis meses (Nóbrega Neto et al., 2016; Giri et al., 2020; Da Silva et al., 2023).
Alguns aspectos físicos – químicos da água de consumo humano e animal precisam ser avaliados, são eles:
- Sólidos Dissolvidos totais: definem a soma de todos os íons presentes na água, como carbonatos, bicarbonatos, cloro, flúor, sulfatos, fosfatos, nitratos, cálcio, magnésio, sódio e potássio (NASEM, 2021). De forma geral, a presença de sólidos dissolvidos totais em excesso, acima de 500 mg/L, oferece riscos à saúde dos animais, pois reduz o consumo de água e alimentos. Acima de 1000 mg/L pode causar diarreias e redução na produção de leite (Beede, 2019; NASEM, 2021; Silveira & Trentin, 2023).
- Dureza: relacionada principalmente a presença dos íons cálcio e magnésio na água, mas outros cátions também podem estar atrelados a dureza elevada (Golher et al., 2020). Antigamente, a dureza era considerada um fator de restrição de consumo, mas com o avanço dos estudos, observou-se que águas com dureza de até 290 mg/L não alteram a ingestão de água. Todavia, acima de 290 mg/L de dureza, há interferência no consumo de água dos bezerros (NASEM, 2021).
- pH: não existem muitas informações acerca de uma faixa ideal de pH da água de ingestão de bovinos de leite, o NASEN (2021), recomenda faixas de pH da água entre 6,5 e 8,5. Entretanto, pHs elevados limitam a eficiência da cloração nas águas, por isso faixas de pH entre 6,5 e 7,0 são as mais recomendadas. A utilização de acidificantes na água de bebida dos bovinos, com objetivo de reduzir o pH, em conjunto com o cloro elevam a ingestão de água, alimento, bem-estar e desempenho dos bovinos (Llonch et al., 2023).
- Sulfatos: se originam da dissolução de minerais contendo sulfatos nas rochas ou através da contaminação das águas com resíduos domésticos e industriais. Altas concentrações desse íon (SO 4 2− ) podem afetar o consumo de água e de alimentos. De acordo com o NASEN (2021) níveis acima de 250 mg/L podem ser prejudiciais. O enxofre (S) presente nesse íon é reduzido a sulfeto no rúmen. O sulfeto, em grandes concentrações, se une a alguns mineiras, tornando-os indisponíveis ao animal. Dependendo da concentração de enxofre na dieta, as águas com concentrações altas de sulfato (1.000 a 1.500 mg de sulfato/L,) podem causar antagonismo do cobre e do selênio (NASEM, 2021).
- Ferro: O excesso de ferro na água confere uma cor alaranjada e altera a palatablidade da água, restringindo consumo. Em animais adultos, raramente há deficiência de ferro, já que existe abundancia desse elemento nos alimentos. Devido a isso, a ingestão de águas com excesso de ferro pode antagonizar a absorção de cobalto, cobre, manganês, selênio e zinco no organismo dos animais e aumenta a concentração de espécies reativas ao oxigênio. O aumento das espécies reativas ao oxigênio no organismo desencadeia o estresse oxidativo, comprometendo a função imunológica, elevando os casos de mastites e metrites, aumentando a incidência de retenções das membranas fetais, elevando as diarreias, prejudicando o crescimento do animal e a produção de leite. Por isso, que, altos teores de ferro, acima de 0,3 mg/dL, são prejudiciais para a saúde humana e animal (Beede, 2019).
- Manganês: Geralmente está associado com o ferro e em excesso altera o sabor da água e forma manchas pretas nas tubulações (Beede, 2019), acima de 0,05 mg/L já representa um risco (NASEM, 2021).
- Nitratos e Nitritos: os nitratos e nitritos são oriundos da contaminação das águas através do escoamento de fertilizantes orgânicos e inorgânicos utilizados nas lavouras. No rúmen, os nitratos são convertidos em nitritos. Os nitritos, por sua vez, são absorvidos pelo sangue e no sangue convertem a hemoglobina em metemoglobina, o que dificulta o fornecimento de oxigênio aos tecidos (Wagner & Engle, 2021; Silveira & Trentin, 2023). A recomendação de nitratos na água é de até 10 mg/L e de nitritos até 1 mg/L (NASEM, 2021).
A contaminação microbiológica da água também é um fator relevante, pois representa o principal desafio em relação a qualidade da água, já que a água torna-se uma importante via de transmissão de patógenos (Padilha et al., 2013). Nesse sentido, os animais possuem mecanismos comportamentais e fisiológicos para evitar a ingestão de alimentos tóxicos, contaminados ou estragados. Por isso, os ruminantes evitam a ingestão de água contaminada (Willms et al., 2002; Munger, 2016).
As bactérias do grupo dos coliformes totais são as comumente avaliadas para indicar contaminação ambiental e fecal das águas (Llonch et al., 2023) e compor a qualidade microbiológica da água. Águas que apresentam desafios em relação a qualidade microbiológica necessitam de tratamento (Otenio et al., 2010). A cloração é o processo mais eficiente para causar a morte dos microrganismos patogênicos e evitar novos crescimentos microbianos, reduzindo a carga microbiana da água.
No momento em que o cloro é adicionado na água ocorre a formação de ácido hipocloroso e íon hipoclorito. O ácido hipocloroso é mais reativo e com maior poder de desinfecção, sua formação ocorre em maior proporção em pH abaixo de 7,0. Dessa forma, a acidificação da água é indicada em alguns casos para reduzir o pH da água e otimizar a ação do cloro. A ingestão de água clorada não prejudica o desempenho ruminal. Quando os animais ingerem água de qualidade, limpa, palatável ocorre o aumento do consumo de água por parte dos animais, consequentemente há aumento na ingestão de alimentos, melhorando o desempenho e reduzindo a incidência de doenças (Llonch et al., 2023). A qualidade de água é uma questão de bisseguridade nas propriedades rurais tanto para a produção animal quanto para a qualidade do leite (Pegoraro, 2019).
Autores
Ana Luísa da Costa: Médica Veterinária formada pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), pós-graduanda em Nutrição de Bovinos Leiteiros pela Rehagro. Consultora Técnica em bovinos de leite na American Nutrients do Brasil Indústria e Comércio Ltda. E-mail: mvanaluisadacosta@gmail.com
Michele Fangmeier: Graduada em Química Industrial e mestre em Biotecnologia na Produção Industrial de Alimentos pela Universidade do Vale do Taquari - UNIVATES. Responsável Técnica e Coordenadora de Pesquisa e desenvolvimento na American Nutrients do Brasil Indústria e Comércio LTDA. E-mail: cq@americannutrients.com.br
Daiane Carvalho: Médica Veterinária formada pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Doutora em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal do Rio Grande do SUL (UFRGS). Responsável Técnica e Coordenadora de Pesquisa e Desenvolvimento na American Nutrients do Brasil Indústria e Comércio Ltda. E-mail: ped@americannutrients.com.br
Luana Specht: Graduada em Biologia pela Universidade do Vale do Taquari - UNIVATES, mestre em biotecnologia - UNIVATES. Coordenadora de Pesquisa Aplicada na American Nutrients do Brasil Indústria e Comércio Ltda. E-mail: pesquisa@americannutrients.com.br
Luiza Marchiori Severo: Estudante do Curso de Farmácia na Universidade do Vale do Taquari – Univates. Assistente de Pesquisa e Desenvolvimento na American Nutrients do Brasil Indústria e Comércio Ltda. E-mail: regulatorio@americannutrients.com.br
Vitória Fernanda Bayer: Estuante do Curso de Farmácia na Universidade do Vale do Taquari – Univates. Assistente de Pesquisa e Desenvolvimento da American Nutrients do Brasil Indústria e Comércio Ltda. E-mail: laboratorio@americannutrients.com.br
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