A publicação do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) referente aos indicadores nacionais de CPP e CCS do leite, evidenciou uma piora na qualidade do leite brasileiro, especialmente no caso da CCS.
Esses indicadores de qualidade refletem significativamente no rendimento do leite para a indústria, afetando a vida útil do derivado lácteo e a própria qualidade do produto final, sem contar os prejuízos para os produtores, fruto da menor produção por vaca.
A CCS representa o número de células somáticas presentes no leite, que migram do sangue para a glândula mamária em resposta a infecções, principalmente mastite.
Gráfico 1. Média geométrica nacional de CCS.
Fonte: gráfico elaborado pelo MilkPoint a partir dos dados do Mapa.
É importante destacar que as instruções normativas 76 e 77, em vigor desde junho de 2018, definem que para contagem de células somáticas (CCS) a média geométrica trimestral deve ser no máximo 500 mil células/ml, evidenciando ainda mais a necessidade de atenção para o cenário da qualidade do leite no país. Mas, afinal, de quem é a culpa por esses números estarem em processo de regressão?
Apontar um culpado não é simples (e nem efetivo). Do lado do produtor, quão cautelosos estão sendo na hora de atentar-se à qualidade do leite? Os manejos estão sendo bem-feitos, as práticas estão adequadas? Os profissionais estão sendo bem treinados para tais tarefas?
O produtor que possui CCS elevada no rebanho, sente o impacto de forma direta com o custo em tratamentos, descarte de leite e até a morte de vacas. Assim como há o impacto indireto, que ocorre quando há redução da receita por perda de produção de leite, não recebimento da bonificação por qualidade do leite e até mesmo o risco aumentado de outras doenças no rebanho.
De acordo com diversos estudos, as perdas de produção de leite causadas pela mastite subclínica são o principal componente do custo total da mastite nas fazendas leiteiras. A principal explicação para a relação entre CCS e a redução da produção de leite baseia-se na redução da capacidade de produção quando as vacas apresentam um ou mais quartos mamários com mastite.
Do lado da indústria, elas estão, de fato, estimulando uma produção de leite com alta qualidade? Existe uma política específica para monitoramento e, principalmente, bonificação justa para produtores que realmente prezem uma qualidade do leite elevada? Quando não existe a bonificação é mais difícil instituir nos produtores a cultura de olhar para a CCS, mesmo que o indicador impacte direto o bolso, com redução na produção de leite, descarte de leite e uso de medicamentos. A bonificação é um incentivo significativo, principalmente entre os produtores de menor escala.
Todo e qualquer esforço para melhoria na qualidade do leite deve contar com a viabilidade econômica na implementação de boas práticas durante e após a ordenha. Sem a perspectiva de aumento no lucro por meio de programas de bonificação, torna-se ainda mais difícil criar essa cultura com o produtor para melhoria na qualidade do leite. Assim como para o produtor, o leite com alta CCS causa severos impactos negativos na indústria. Esses impactos incluem a redução do rendimento devido a alterações na caseína, perdas de proteínas e minerais, mudanças no sabor e na textura dos queijos, além de reduzir o tempo de prateleira dos produtos lácteos.
Por fim, as causas podem ser várias e apontar culpados não é o caminho. Mas, certamente, uma coisa é clara: melhorar a CCS não tem sido a prioridade do setor.
É inegável que a prevenção e o controle da mastite requerem uma série de manejos e práticas desde o momento da ordenha até o controle do ambiente que as vacas estão inseridas, o que torna a redução da CCS um desafio bastante complexo. Não é possível melhorar esse índice da noite para o dia, é preciso mão de obra capacitada e treinada constantemente para executar os manejos necessários e estar atento diariamente identificando possíveis riscos que afetam a qualidade do leite.
O fato do mercado ser muito pulverizado na coleta, com dificuldade de coordenação setorial, e apresentar uma situação de oferta insuficiente em relação à demanda, fazem com que as plantas dos laticínios fiquem ociosas, dificultando, por consequência, a melhoria da qualidade do leite.
Um aspecto que pode trazer algum viés aos dados acima é que estes são baseados em médias por produtor e não na média ponderada por volume. Ao ponderar por volume, é possível que a conclusão seja em algum grau diferente, considerando que há um processo de consolidação e que produtores com maior volume tendem a ter processos melhores de gestão da qualidade. A média por produtor refletiria, portanto, a heterogeneidade do setor e o fosso que vai sendo criado entre os que crescem e permanecem, e os que vão saindo da atividade.
De qualquer forma, a situação deve provocar incômodo em todos os elos a ponto de questionarem as práticas e buscarem, de fato, ações que resultem em uma melhoria. Políticas específicas para monitoramento no campo, estratégias de incentivo de mercado que promovam avanços nestes indicadores, a fim de evoluir a qualidade do leite e, consequentemente, a produção dos derivados, são de extrema importância e necessária para a produção leiteira nacional.
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