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Como o creme se transforma em manteiga?

VÁRIOS AUTORES

THERMA/UFV

EM 10/06/2024

6 MIN DE LEITURA

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A manteiga é mundialmente consumida, sendo destacada por suas características sensoriais, que incluem sabor e aroma, que são geralmente considerados como agradáveis pela maioria dos consumidores.

Tecnologicamente, a manteiga é formada através da inversão de fases do creme de leite de óleo em água (O/A) para água em óleo (A/O). Portanto, pode ser compreendida como um sistema coloidal, termodinamicamente instável, onde a fase contínua (o que vemos quando olhamos para o produto) é a gordura e, a fase dispersa (gotículas da ordem de micrômetros), é uma solução formada por água e sal.

Mas como esse alimento tão apreciado é produzido, afinal?

Conhecer os fenômenos responsáveis pela transformação do creme em manteiga é importante pois permite obter um produto com qualidade sensorial e, seguro do ponto vista microbiológico e físico-químico

Mas, primeiro, de onde vem o creme?

No leite, a gordura está presente sob a forma de glóbulos em suspensão na fase contínua (solução formada por água e sólidos não gordurosos do leite), estabilizados parcialmente pela ação surfactante dos fosfolipídios que compõem a membrana do glóbulo, diminuindo a tensão interfacial entre as fases aquosa e lipídica, permitindo a dispersão da gordura no sistema.

A desestabilização do sistema ocorre naturalmente por processos físicos como a coalescência e maturação de Ostwald, os quais geram glóbulos de gordura de dimensões maiores que tendem a migrar para a superfície do leite (WALSTRA; WOUTERS; GEURTS, 2006). Através do uso da centrífuga, este processo é acelerado, separando a gordura do leite, dando origem ao leite desnatado e ao creme de leite.

Para a fabricação de manteiga, o creme deve atender a alguns requisitos específicos, visando a qualidade do produto e a viabilidade do processamento, sendo eles:

•Acidez igual a 0,14 – 0,20% em ácido lático;

•Teor de gordura mínimo igual a 35%;

•Creme não homogeneizado.

A definição destes requisitos é de suma importância, visto que a acidez muito elevada pode ser indicativa de uma baixa qualidade do creme, o que poderia colocar em risco à saúde do consumidor, bem como impactar na qualidade tecnológica do creme. Os baixos teores de gordura poderiam retardar ou até mesmo inviabilizar o processo de fabricação da manteiga, considerando que a colisão dos glóbulos de gordura seria prejudicada por sua concentração insuficiente no meio. E, por fim, a homogeneização que torna os glóbulos de gordura menores e mais estáveis, o que dificulta o processo de coalescência parcial e aumenta o tempo de bateção do creme.

Enfim, como a mágica acontece?

Após o creme atender aos requisitos necessários, a próxima etapa a ser realizada é a maturação física, que compreende o período de resfriamento do creme a 5 – 8 °C por um período de 10 – 12 h.

O creme é composto por uma mistura de diferentes lipídeos cujos pontos de fusão são distintos. Ao sofrer resfriamento, parte desses lipídeos se solidificarão, formando cristais na superfície do glóbulo de gordura, alterando a proporção de gordura sólida/líquida do meio.

A interação entre os cristais de gordura e a gordura líquida do glóbulo define a textura mais macia ou mais firme do produto. Exemplificando, a formação de uma pequena área superficial de cristais de gordura no glóbulo (poucos cristais; cristais grandes) minimizará sua interação com a gordura líquida, resultando em uma maior proporção de gordura líquida livre no meio e conferindo uma textura mais macia à manteiga. Em contrapartida, uma maior área superficial de cristais (muitos cristais; cristais pequenos) interagindo com a gordura líquida, tornará esta última menos disponível no meio, resultando em um produto mais firme (GREGERSEN et al., 2015).

Contudo, é possível alterar a área superficial dos cristais de gordura através do aquecimento do creme a 20 – 21 °C por 2 h após seu resfriamento inicial, para fazer com que parte dos cristais se funda, promovendo cristais maiores, reduzindo a área superficial de interação com a gordura líquida, tornando o produto mais macio.

Bateção

Na etapa de bateção, o creme deve ocupar cerca de 35% da capacidade da batedeira, garantindo assim espaço suficiente no interior do equipamento que permita a agitação correta do sistema. O objetivo é desestabilizar o creme promovendo choques efetivos entre os glóbulos de gordura. Com a superfície dos glóbulos mais rígida após a maturação física, esses choques causam rompimentos parciais, levando à coalescência parcial dos glóbulos (Figura 1). Com a colisão dos glóbulos de gordura e o rompimento da superfície, parte da gordura líquida é liberada para o meio, que auxilia na manutenção da união parcial dos glóbulos de gordura (WALSTRA; WOUTERS; GEURTS, 2006).

Figura 1. Choque efetivo entre os glóbulos de gordura.

Choque efetivo entre os glóbulos de gordura

Fonte: autores, 2023.

O processo de bateção promove uma rede tridimensional de glóbulos de gordura que é capaz de aprisionar bolhas de ar em sua estrutura. Caso o processo seja interrompido nesse instante seria possível obter o produto comercialmente denominado “chantilly”. No entanto, há a continuidade do processo de bateção, sendo formados mais aglomerados de gordura e o ar inicialmente aprisionado é perdido.

A bateção continua até que os aglomerados de gordura atinjam o tamanho de 2 – 3 mm, obtendo-se o chamado ponto de “couve-flor” (Figura 2). Neste momento, devido a desestabilização do sistema pela agitação e a maior concentração da gordura, com expulsão de parte da água, há a inversão de fases, de O/A (creme) para A/O (manteiga).

Figura 2. Representação dos grãos de manteiga ao final do processo de bateção.

Representação dos grãos de manteiga ao final do processo de bateção.

Fonte: autores, 2023.

Desleitagem

Após a inversão de fases descrita na etapa anterior, a expulsão de parte da água e dos sólidos não gordurosos do leite (SNGL) do sistema, é formado um  coproduto denominado leitelho.

A etapa de desleitagem, então, compreende a separação do leitelho dos grãos de manteiga formados. Para que  este processo seja admitido como eficiente, o teor de gordura presente no leitelho deve ser inferior a 0,7% (TETRA PAK, 2019).

Lavagem

O volume de água utilizado é equivalente ao volume de leitelho retirado na etapa anterior. A lavagem dos grãos de manteiga é efetuada para a retirada dos resíduos de leitelho do processo de desleitagem. Concomitantemente, há a eliminação dos SNGL, solvatados e carreados pela água. Isso auxilia na diminuição da umidade do sistema, visto que a camada de água requerida para a solvatação desses sólidos na manteiga também é eliminada. A redução da água na massa aumenta a segurança microbiológica do produto. Além disso, parte das enzimas responsáveis pelo desenvolvimento de sabores indesejáveis na manteiga também é carreada pela lavagem, conferindo um maior shelf life ao produto. Para evitar a fusão dos grãos de manteiga e a consequente perda de rendimento do produto, a lavagem deve ser realizada com água gelada (em torno de 12 °C).

Malaxagem

Essa etapa é necessária para homogeneizar todos os ingredientes, i.e., a gordura, a água e o sal (adicionado nessa etapa), trabalhando os grãos para que se tornem uma massa contínua, uniforme. A adição de sal não é obrigatória, embora auxilie na conservação e no perfil sensorial do alimento.

O tempo de malaxagem é diretamente proporcional à quantidade de água desejada no produto final, visto que é necessária uma boa dispersão da fase aquosa no produto para melhorar a estabilidade do sistema. Entretanto, deve-se atentar para o excesso do tempo de malaxagem, pois pode levar à incorporação de ar na massa, o que seria algo indesejável dado o aumento da possibilidade de degradação oxidativa do produto. Após a malaxagem, o produto está pronto para o envase e armazenamento sob refrigeração.

Este processo de fabricação é um excelente exemplo de como o conhecimento das etapas envolvidas não apenas nos permite apreciar a manteiga como um produto, mas também nos ajuda a compreender a ciência por trás da transformação dos alimentos.

 

Referências

WALSTRA, P.; WOUTERS, J. T. M.; GEURTS, T. J. Dairy Science and Technology, 2. ed., Taylor & Francis Group, Inc. Broken Sound Parkway, New York, 763 p, 2006.

TETRA PAK. Dairy Processing Handbook. Chapter 12: Butter and dairy spreads. 2019. Disponível em: https://dairyprocessinghandbook.tetrapak.com/chapter/butter-and-dairy-spreads. Acesso em: 21 out. 2023.

GREGERSEN, S. B. et al. Texture and microstructure of cocoa butter replacers: Influence of composition and cooling rate. Food Structure, v.4, p.2-15, 2015. DOI: 10.1016/j.foostr.2015.03.001.

 

 

LAYSHA

Graduanda em Ciência e Tecnologia de Laticínios da Universidade Federal de Viçosa.

RAFAEL CÉSAR PEREIRA

Graduando em Ciência e Tecnologia de Laticínios da Universidade Federal de Viçosa.

TAWANA SILVA CARDOSO

Graduanda em Engenharia de Alimentos do Instituto de Ciências Agrárias da UFMG.

WALMAR OLIVEIRA

Graduando em Ciência e Tecnologia de Laticínios da Universidade Federal de Viçosa.

GLÁUCIA VALÉRIA FONSECA LEONEL

Engenheira de Alimentos e mestranda do Laboratório de Termodinâmica Molecular Aplicada (THERMA-UFV).

ANA CLARISSA DOS SANTOS PIRES

Profa. Dra. Ana Clarissa dos Santos Pires, Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Termodinâmica Molecular Aplicada (THERMA-UFV)

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