Primeiramente, deve-se ter em mente que existe uma grande variedade de tipos de células presentes no leite normal, mas nem todas têm o potencial de eliminar o microrganismo causador de uma infecção intramamária. No Quadro 1, podemos observar a proporção aproximada dos tipos celulares presentes no leite de uma vaca sadia em terço médio de lactação, com CCS de 200.000 células/mL, e do colostro um vaca sadia, recém-parida.
Quadro 1. Percentual dos tipos de células presentes no leite e colostro de animais sadios. (Adaptado de Blowey & Edmondson, 2002 )
Em uma situação normal, a CCS de animais recém-paridos é de 1.000.000 céls./mL, mas diminui para 100.000 céls./mL nos 7-10 dias pós-parto. Quando ocorre a mastite, os leucócitos, especificamente os polimorfonucleados (PMN), são as células mais importantes no processo de eliminação da bactéria causadora de mastite; entretanto, estão presentes em menor número no leite de animais sadios.
Já os macrófagos e linfócitos têm a função de reconhecer a bactéria e informar ao sistema imune a presença do patógeno. O sistema imune recruta um grande número de leucócitos PMN que, por meio da corrente sangüínea, se encaminham para a glândula mamária. Os vasos sangüíneos da glândula se dilatam para permitir um maior fluxo de sangue e o melhor trânsito de leucócitos até o interior da glândula. Isso explica porque um quarto mamário com mastite aguda tem aumento de temperatura e fica quente à palpação.
Os leucócitos PMN precisam atravessar a barreira do vaso sangüíneo até o interior da glândula; para isso, são abertas passagens nas veias e artérias próximas à luz da glândula afetada, permitindo a entrada dos leucócitos, além de soro sangüíneo que também consegue atravessar e se misturar ao leite. A passagem crescente do soro sangüíneo é o que aumenta o inchaço da glândula afetada, e conseqüentemente o desconforto da vaca.
Assim que atravessam da corrente sangüínea para o leite, os leucócitos avançam sobre as bactérias para dar início ao processo de eliminação dos patógenos. Dependendo da gravidade da infecção (o que está relacionado, em grande parte, ao tipo de bactéria envolvida na infecção), esse processo se estende, prolongando-se muitas vezes mesmo após a eliminação da bactéria. Por exemplo, uma vaca com CCS de 100.000 céls./mL, passa a ter CCS de 100.000.000 céls./mL (ou 1000 vezes mais) em apenas algumas horas após uma infecção por Escherichia coli, levando à conseqüente alteração nas proporções observadas no Quadro 1. Entretanto, a bactéria pode ser rapidamente eliminada, caso o sistema imune da vaca consiga montar uma resposta inflamatória adequada.
Isso explica o fato de comumente se verificar um quarto mamário quente, duro e dolorido à palpação, que ao invés de leite, se observa uma secreção aquosa que, quando submetida ao exame microbiológico, o isolamento bacteriano é geralmente negativo. Esse quadro é comumente observado numa infecção intramamária causada por E. coli, e que foi rapidamente debelada pela resposta leucocitária, como podemos observar na Figura 1.
Figura 1. Exemplo de uma resposta adequada de leucócitos PMN que pode levar à uma rápida eliminação da bactéria causadora de mastite (E. coli). (Adaptado de Blowey & Edmondson, 2002)
Obviamente que, como conseqüência da resposta inflamatória, o quadro clínico do animal pode ser mais ou menos grave dependendo de variações individuais. No entanto, o que se observa, tanto em trabalhos científicos quanto em observações a campo, é que vacas recém-paridas apresentam redução da capacidade de resposta inflamatória. Nesses casos, a E. coli invade a glândula e começa a se multiplicar sem ser detectada, de modo que, uma infecção por não mais que 10 UFC/mL de E. coli pode desencadear uma resposta inflamatória menos pronunciada e levar a uma colonização bacteriana de contagem superior a 100.000.000 UFC/mL, conforme a Figura 2.
Figura 2. Exemplo de resposta inadequada de leucócitos PMN, que se observa especialmente em vacas recém-paridas, quando ocorre grande colonização do quarto infectado pela bactéria (E. coli). Se o animal sobreviver, a contagem bacteriana permanece alta por muitos dias. (Adaptado de Blowey & Edmondson, 2002).
Em função da ausência de resposta adequada, alguns casos de mastite no pós-parto podem passar clinicamente despercebidos, e as alterações do leite serem indistinguíveis em relação ao colostro. A vaca, entretanto, pode prostrar-se rapidamente, devido ao efeito sistêmico da grande quantidade de endotoxinas produzidas pela multiplicação da E. coli, levando o animal à depressão, dificuldade de locomoção, profunda apatia (indiferença aos estímulos externos) e inapetência (falta de apetite). Pode ou não apresentar febre (os animais com adequada resposta inflamatória frente a uma mastite aguda por E. coli invariavelmente têm febre), tremores e diarréia profusa e fétida. Os animais que não morrem podem continuar doentes por um período de tempo considerável.
Neste caso, quando leucócitos eventualmente aparecem na glândula, normalmente são os monócitos, uma linhagem celular menos eficiente na eliminação bacteriana que os leucócitos PMN. E é por essa razão que os animais acometidos continuam eliminando E. coli por período de tempo considerável após a infecção, mesmo após a antibioticoterapia. Os danos causados nas cisternas e células do tecido mamário podem ser tão graves que se degeneram, com o comprometimento completo da produção de leite pelo restante da lactação, que na maioria das vezes, retoma a função na lactação subseqüente.
Fontes:
Dang et al. Milk Science International, 2008. Blowey & Edmondson. Mastitis control in dairy herds, 2002.