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Fungos naturais em queijos

MAIKE TAIS MAZIERO MONTANHINI

EM 17/05/2024

7 MIN DE LEITURA

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O reino Fungi abrange uma grande diversidade de organismos eucariontes, com ecologias e morfologias variadas, que incluem desde microrganismos como leveduras e bolores, bem como, diversos cogumelos. Contudo, pouco se sabe da verdadeira biodiversidade do reino Fungi, que se estima englobar mais 1,5 milhões de espécies, sendo apenas cerca de 5% destas formalmente classificadas. 

Os fungos são seres vivos que apresentam grande importância para o meio ambiente e, também, para os seres humanos. Atuam no processo de decomposição da matéria orgânica, são usados na fabricação de medicamentos (tais como antibióticos) e na produção de alimentos, particularmente, na fermentação de pães e bebidas alcóolicas, além de certas variedades de cogumelos serem consumidas de forma direta.

Alguns fungos também são usados na fabricação de queijos, principalmente, o Penicillium camemberti (ou P. candidum), usado em queijos de casca mofada, e o Penicillium roqueforti (ou P. glaucum), usado em queijos azuis. Estes fungos são considerados seguros para consumo humano, sendo adicionados intencionalmente no processo de fabricação dos queijos na forma de fermentos. Outros fungos e leveduras benéficas têm sido utilizados na fabricação de queijos, tais como Geotrichum candidum, Debaromycys hansenii, Kluyveromyces lactis, Kluyveromyces marxianus, Candida valida e fungos do gênero Mucor. Todos estes microrganismos possuem sua inocuidade atestada e são usados na fabricação de queijos em vários países.

Nos queijos de casca natural, os fungos são provenientes da microbiota presente no leite e/ou no ambiente de produção. Estes queijos apresentam uma casca heterogênea, composta por diferentes tipos de microrganismos, que conferem ao queijo características sensoriais particulares. A diversidade de fungos naturais varia em função do local de produção, do clima, condições de maturação, de fatores ambientais e, também, de fatores intrínsecos ao queijo, principalmente, pH e atividade de água.

A presença destes fungos autóctones, também chamados de fungos selvagens, tem atraído muitos consumidores por conferir sabores e aromas especiais aos queijos de casca natural. No entanto, é importante ressaltar que nem todo fungo pode ser considerado seguro para consumo humano. Algumas espécies de fungos possuem potencial toxigênico por produzirem as chamadas micotoxinas. Os fungos toxigênicos podem ser encontrados em diversos alimentos, na maioria das vezes quando estocados em condições inadequadas de umidade e temperatura. Há inúmeros estudos científicos que relatam a presença de micotoxinas em amendoins, milho, arroz, nozes, café e outros produtos, inclusive de origem animal.

Os alimentos de origem animal são potenciais veiculadores de micotoxinas para os seres humanos, com destaque ao leite e a carne. A presença dessas substâncias nestes produtos tem sido objeto de preocupações de órgãos públicos internacionais, como a FAO e a EFSA, sendo que as diferentes condições climáticas podem favorecer um microrganismo produtor de uma micotoxinas em relação à outra. Este é um fator importante a ser considerado, pois não podemos considerar resultados encontrados em outros países como representativos da realidade brasileira, pois as condições ambientais do Brasil são distintas daquelas encontradas, por exemplo, na Europa ou nos EUA.

As micotoxinas são substâncias tóxicas produzidas por certas variedades de fungos filamentosos. Algumas destas toxinas possuem características cumulativas e podem ser cancerígenas, mutagênicas e imunossupressoras. Os efeitos causados pelas micotoxinas em animais e humanos são variados, desde câncer hepatocelular até alterações dermatológicas, além de imunodepressão e disfunção intestinal absortiva de nutrientes. Alguns estudos relatam que estas toxinas, mesmo em baixas concentrações, podem provocar doenças crônicas como cirrose hepática, imunodeficiência, câncer, mutações, nefropatias, anorexia, hemorragias, edema pulmonar, necrose cerebral e degeneração hepática.

Estima-se que haja cerca de duzentas espécies fúngicas produtoras de micotoxinas, sendo que algumas espécies podem produzir vários tipos de micotoxinas, simultaneamente. As micotoxinas aflatoxinas B1, zearalenona, toxinas T-2, desoxinivalenol, ocratoxina A, fumonisina, ergotamina e patulina são consideradas as mais importantes em alimentos. Entre os gêneros de fungos mais associados à produção destas micotoxinas estão:  Aspergillus, Penicillium e Fusarium. Os Aspergillus spp. são saprófitos ubíquos e secretam grande quantidade de metabólicos, podendo se colonizar diversos substratos, tais como solo, instalações e alimentos.

As colônias de Aspergillus flavus são esverdeadas e muitas vezes sua aparência é confundida com a de P. roqueforti (fungo benéfico). O A. flavus é produtor de aflatoxinas e já teve sua presença reportada em queijos em diversos estudos. A principal forma de controle deste fungo é a maturação em baixas temperaturas (até 18 ºC), pois seu crescimento ótimo ocorre em torno de 30 ºC. Não obstante, muitos queijos artesanais são maturados em temperatura ambiente, favorecendo o desenvolvimento de fungos indesejados, como o próprio A. flavus.

Ainda são poucos os estudos que identificam as espécies dos fungos presentes em queijos artesanais brasileiros, sendo a maioria dos estudos realizados até agora voltados ao queijo minas artesanal. Alguns dos estudos realizados recentemente evidenciaram a presença da levedura Debaryomyces prosopidis e de Geotrichum candidum na maioria das amostras de queijos minas artesanal avaliadas. Outro estudo relatou a presença de  Debaryomyces hansenii, Yarrowia lipolytica, Candida zeylanoides, Kluyveromyces lactis, Cladosporium cladosporioides e Penicillium roqueforti. Estes fungos são considerados benéficos e têm sido explorados para a fabricação de queijos de casca florida, uma nova categoria atribuída aos queijos minas artesanais, chamados de Queijo Minas Artesanal de Casca Florida (QMACF).

A resolução n° 42 da SEAPA (2022) reconhece os QMACF como sendo aqueles com predominância da espécie fúngica Galatomyces geotrichum, ou Geotrichum candidum e Geotrichum silvicola. Estes são fungos filamentosos de coloração branca e que conferem aspecto aveludado aos queijos, e são considerados seguros para consumo humano. A resolução afirma que outros fungos poderão ser reconhecidos nos QMACF, desde que seja devidamente atestada a segurança do seu consumo. 

 O uso de fungos autóctones em queijos artesanais pode ser bastante interessante, dada a riqueza sensorial que estes proporcionam ao produto. Contudo, a sanidade destes fungos deve ser assegurada por pesquisas científicas realizadas por órgãos especializados no tema e de ilibada reputação que atestem sua segurança. A identificação dos fungos predominantes nos queijos de casca natural é importante para conhecimento da diversidade e autenticidade microbiótica dos queijos. Ainda assim, não se dispensa a análise das micotoxinas, pois são estes metabólitos que representam um risco à saúde dos consumidores e não o fungo propriamente dito.

As micotoxinas poder ser formadas nos queijos em função da presença de fungos toxigênicos que se desenvolvem durante a maturação ou serem transmitidas de forma indireta pelo leite, como é o caso da aflatoxina M1. A aflatoxina M1 tem sido detectada em leite de animais alimentados com ração ou silagem contaminados por aflatoxina B1, no Brasil e em vários países no mundo. Geralmente, os níveis de contaminação são mais altos durante o inverno, quando a suplementação alimentar é mais utilizada. Isto reforça a importância do controle da qualidade da alimentação fornecida aos animais.

No Brasil, o limite máximo de aflatoxina M1 permitido segue a RDC n° 722, de 1º de julho de 2022, que estabelece 0,05 μg/L (ppb) em leite fluido e 2,5 μg/L (ppb) para queijos (BRASIL, 2022). Na produção dos queijos, a aflatoxina fica em contato com a caseína, o que faz com que a concentração da aflatoxina seja maior em um quilo de queijo, quando comparado a um litro de leite fluido. A aflatoxina M1 é a única micotoxina prevista pela legislação brasileira em queijos, que não determina limites para as micotoxinas formadas durante a maturação. A análise de micotoxinas possui um custo elevado, o que acaba dificultando a sua realização como forma de monitoramento.

Recentemente, foi publicado um artigo na revista Food Research International, por pesquisadores do ITAL em parceria com a USP e o IFMG, que avaliaram 130 amostras de queijos artesanais produzidos e comercializados nos estados de Minas Gerais e São Paulo (Marcelão et al., 2024). Este foi um dos primeiros estudos realizados com o objetivo de avaliar a presença de espécies de Aspergillus produtores de ocratoxina, bem como, a presença desta toxina em queijos artesanais brasileiros.

Neste estudo, a ocratoxina A foi encontrada em 22% das amostras de queijos avaliadas, com resultados variando de 1,0 a mais de 1000 mg/kg, sendo que cinco amostras apresentaram resultados superiores a 1000 mg/kg. Os resultados variaram bastante em função do produtor e das condições de produção, indicando que algumas regiões e condições são mais favoráveis ao desenvolvimento de fungos toxigênicos. Os queijos com maiores níveis de contaminação por ocratoxina A foram coletados de produtores com precárias condições de maturação, em ambientes sem controle de umidade e temperatura (as chamadas “cavernas”) e com falhas nas Boas Práticas de Fabricação.

Os pesquisadores também relataram uma diferença nos resultados em função do período de coleta das amostras. Em alguns casos, o mesmo produtor apresentou queijos contaminados em uma das coletas e em outra não, indicando que a contaminação pode ser sazonal. Outro resultado interessante apontado no estudo demonstra que a concentração da ocratoxina A é maior na casca que no interior dos queijos, sugerindo que, em queijos de casca natural, o consumo da casca deva ser evitado. Este fungo apresenta esporos de coloração amarelada ou ocre, alguns produtores chamam de queijo dourado, e essas características podem ser consideradas um risco de contaminação.

Estes resultados devem ser considerados como um alerta para queijos artesanais de casca natural, pois não existe uma regulamentação específica para este tipo de produto ao que diz respeito a presença de micotoxinas formadas durante a maturação. Mais estudos precisam ser feitos para elucidar o risco ao qual os consumidores estão expostos, assim como, indicar os principais cuidados a serem tomados na fabricação e maturação destes queijos, para que sejam produzidos de forma adequada, sem colocar em risco a segurança do consumidor.

 

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Referência do artigo citado

MARCELÃO et al. Unveiling ochratoxin A and ochratoxigenic fungi in Brazilian artisanal Cheeses: Insights from production to consumption, Food Research International 183 (2024).

 

 

MAIKE TAIS MAZIERO MONTANHINI

Tecnóloga em Alimentos, especialista em Higiene, Vigilância e Processamento de Produtos de Origem Animal, mestre em Ciência de Alimentos, doutora em Tecnologia de Alimentos e com pós-doutorado na Universidade Federal do Paraná.

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JANYELI DORINI SILVA DE FREITAS

CASCAVEL - PARANÁ - INDÚSTRIA

EM 27/05/2024

Olá Maike, um texto importante para se refletir, principalmente pela problemática levantada em relação às micotoxinas, campo de estudo oportuno para encontrarmos respostas sobre doenças veiculadas por alimentos, visto que pouco se prevê em legislação sobre elas, e ainda, a microbiologia é uma área excelente para encontro de isolados quem possam ser aplicados para melhora do rendimento de produtos ou mesmo para indústria farmacêutica e fitoterápicos.
JOÃO BELLO

BELO HORIZONTE - MINAS GERAIS

EM 24/05/2024

Maike. Tudo bem? Vc precisa conhecer urgentemente os vários trabalhos e teses desenvolvidos pelo professor Luís Roberto Batista e equipe da Universidade Federal de Lavras que vem há alguns anos (6-7anos) trabalhando com muita seriedade nesse assunto.
Sugiro entrar em contato com ele (35) 98476-9559, pois existem muitos dados que apresentam o assunto de uma perspectiva muito importante. Diferentemente do trabalho citado que apresenta muitas limitações. Abraço. João Bello
MAIKE TAIS MAZIERO MONTANHINI

TOLEDO - PARANÁ - PESQUISA/ENSINO

EM 24/05/2024

Olá Bello! Obrigada por suas considerações. Eu conheço o trabalho do professor Luiz sim, inclusive tem um parágrafo inteiro falando sobre isso, apesar de não ter citado o nome do autor (este não é um artigo de revisão bibliográfica).
Um trabalho não desmerece o outro, somente evidencia que em condições diferentes temos resultados diferentes.

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