Basta uma busca na internet ou uma visita a uma livraria e veremos a infinidade de textos, livros, podcast e cursos, teorizando sobre como deveria ser a liderança adequada para que um time de pessoas performe com sucesso (me lembrei aqui do Líder Servidor, um livro até interessante).
Eu normalmente fujo de materiais que soam superficiais, óbvios, sem embasamento técnico ou científico ou que oferecem soluções mágicas. Mas gosto do tema e tento me aprofundar em algum grau.
Recentemente, li um livro que me trouxe vários insights muito interessantes sobre liderança. É um livro relativamente antigo – de 1998 – chamado High Flyers – desenvolvendo a nova geração de líderes, escrito por Morgan W. McCall, Jr. Infelizmente não existe em português (pelo menos eu não achei).
Morgan aponta que a gestão empresarial sempre procurou identificar características que fazem com que determinada pessoa seja uma boa líder. É uma proposta atrativa: basta avaliar se o candidato tem aquelas características, submetê-lo ao mercado de trabalho e às experiências da vida e, caso se saia bem, pronto. Teremos um líder.
Porém, não é tão simples assim. O primeiro ponto é que é fácil constatar que há líderes efetivos com características muito distintas entre si. Gandhi e Churchill provavelmente não tem nada em comum. Mesmo em setores similares e na mesma região, há diferenças: quem conhece as biografias de Bill Gates e Elon Musk sabe que são muito diferentes. O fato é que é possível chegar a bons resultados com estilos diferentes de liderança. Há pessoas mais extrovertidas e outras mais introvertidas; há pessoas mais audaciosas e outras mais conservadoras; há pessoas mais focadas em execução e outras mais estratégicas. Não é possível apontar um estilo mais propenso ao sucesso (e outro ao fracasso). Em outras palavras, existe o talento, mas não “o talento único” para liderança.
O autor também traz um ótimo ponto, que muitas vezes é esquecido: toda qualidade é também um defeito. A tabela abaixo mostra o potencial “lado negro” de qualidades incontestáveis.
Qualidade |
Lado negro potencial |
Grande poder de decisão |
Decidir sem ter as informações corretas, passar por cima dos outros |
Ótimo com pessoas |
Pode ser alguém fraco, que não toma decisões difíceis ou encara conflitos |
Foco em resultados |
Pode ser pouco estratégico, comprometendo a empresa no futuro |
Foco no cliente |
Dificuldade de controlar custos, não se arrisca a criar grandes inovações |
Alta capacidade de trabalho |
Pode exigir demais do time |
Autoconfiança elevada |
Pode não ouvir os outros e não ver evidências de que está errado; culpa alguém ou fatos externos pelo fracasso |
Muito analítico |
Risco de pouca praticidade |
As qualidades podem ter sido importantes para sucessos anteriores, mas em uma nova situação, seja por uma mudança no contexto do mercado ou por uma mudança de cargo, o lado negro potencial pode falar mais forte. Um líder muito autoconfiante, por exemplo, pode falhar em ouvir os outros quando justamente o que precisa é ter opiniões e a visão de quem está na linha de frente.
Sucessos anteriores, inclusive, podem ser um problema, porque podem reforçar a certeza de estar sempre certo (o que leva à arrogância). Se funcionou antes, vai funcionar sempre. Mas os contextos mudam, as pessoas mudam, a concorrência muda, e nem sempre a fórmula que funcionou antes vai funcionar de novo. O sucesso pode ser um grande impostor.
Pense em um técnico de futebol que montou um esquema de jogo inovador e ganhou o campeonato (me vem à mente o Fernando Diniz, no Audax – não ganhou mas foi a sensação com o vice paulista em 2016). É natural que acredite que sempre dará certo. Mas os adversários mudam, seus próprios jogadores não serão mais os mesmos, e nada garante que o futuro será igual ao passado. É difícil abandonar o que funcionou no passado, mesmo quando as circunstâncias mudam, especialmente quando nenhuma nova habilidade ou nova forma de pensar foi aprendida ao longo do tempo.
Chegamos, então, à principal característica que forja líderes de sucesso contínuo: a capacidade de aprender ao longo do tempo. Esse aprendizado não só ocorre via treinamentos formais (aliás, se sobrevaloriza essa fonte), mas principalmente através de experiências desafiadoras vividas no percurso. São elas que oferecem as ferramentas para que a liderança se desenvolva e tenha a flexibilidade de entender as mudanças que envolvem qualquer negócio.
É interessante notar que o livro foi publicado em 1998. O autor pontua que, em um ambiente de mudanças aceleradas, aprender a aprender continuamente é a principal diferença entre profissionais efetivos e os demais. Isso em 1998... Fica fácil trazer essa realidade para agora, quando as mudanças parecem e são ainda mais aceleradas.
Os profissionais com alto potencial mudam à medida que passam por experiências novas. Respostas a perguntas reveladoras, como “como aprenderam com erros”, “como responderam a feedbacks”, e “como se recuperaram de reveses” são pistas importantes nesse sentido. Morgan coloca que talvez a pergunta mais reveladora que se pode perguntar a alguém é se ele/ela já mudou alguma vez seu comportamento, atitude ou visão diante de um feedback ou de uma experiência.
No frigir dos ovos, temos uma má e uma boa notícia. A má e que dificulta a identificação precoce de bons líderes é que não há uma receita de bolo ou uma lista de características pessoais e profissionais que definem um líder ou um profissional efetivo. O autor, claro, reconhece que há talento inato, mas esse talento está composto de diferentes características, dependendo da pessoa. Ele sozinho não forma grandes líderes, embora possa resultar em sucessos pontuais. A boa é que o aprendizado para a evolução está à disposição de todos que queiram evoluir, desde que tenham o mindset correto, se submetam a experiências que aumentem continuamente o seu repertório e que estejam alinhadas com a estratégia do negócio.