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Repensando a separação do bezerro recém-nascido

POR INGRED CAROLINE ROCHA DE OLIVEIRA

E CARLA MARIS MACHADO BITTAR

CARLA BITTAR

EM 19/06/2024

8 MIN DE LEITURA

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Nas últimas décadas o aumento nas preocupações do público sobre como vivem e são criados os animais de produção, tem pressionado a indústria sobre questões relacionadas ao bem-estar animal que acaba se tornando um dilema ético. Muito tem sido discutido sobre a separação do recém-nascido de sua mãe no âmbito de produção e também na academia no último ano. Cook e von Keyserlingk (2024) publicaram um artigo de perspectiva bastante provocativo e que traz uma série de pontos importantes que devem ser considerados sobre esta prática de manejo nas fazendas leiteiras.  

Em condições naturais, o cuidado materno é considerado essencial para a sobrevivência do filhote. Entretanto, nos sistemas de produção de leite, a prática comum é separar vacas e bezerros logo após o nascimento, onde os bezerros serão tratados por cuidadores que irão zelar pela sobrevivência e saúde desses animais. Esta prática é recomendada faz muitos anos e tem como principais justificativas a retirada do recém-nascido de um ambiente comumente muito contaminado (maternidade) e a realização da colostragem seguindo as recomendações mais atuais. Em consonância, o Padrão Ouro americano (2023, 4ª. edição), assim como o brasileiro (2022, 2ª. edição), recomendam a retirada do recém-nascido da maternidade o quanto antes. O último levantamento de dados do Programa Alta CRIA (Azevedo et al., 2023) mostra que 76% das fazendas retiram o recém-nascido da maternidade com até 1 h após o nascimento. A criação de bezerros é um aspecto importante no manejo do rebanho leiteiro, uma vez que as novilhas são as futuras substitutas das vacas. Práticas de manejo que melhorem a saúde e o desempenho de bezerras levam a melhora na produtividade e longevidade do futuro rebanho leiteiro.

Os bovinos possuem um tipo de placenta que não permite a passagem de imunidade materna para o feto. Consequentemente, o bezerro nasce praticamente sem imunoglobulinas (IgG), sendo dependente da absorção de Ig através do consumo de colostro. Sendo assim, a ingestão precoce e adequada de colostro de alta qualidade imunológica, bacteriológica e em quantidade adequada é o manejo mais importante na determinação da saúde e sobrevivência de bezerros neonatais (Godden, 2019). As propriedades leiteiras muitas vezes se deparam com altas taxas de morbidade e mortalidade em bezerros, o que traz consequências econômicas e suscita preocupações ao que diz respeito ao bem-estar dos animais.

Quando não ocorre a transmissão de imunidade passiva via colostro e os bezerros apresentam baixos níveis séricos de IgG, eles são caracterizados como portadores de falha na transferência de imunidade passiva (FTIP), e vão apresentar maior morbidade e maior chance de óbito. Apesar de avanços no manejo de colostro nos sistemas de produção, a FTIP ainda afeta alguns bezerros testados, destacando a importância contínua de aprimorar a colostragem desses bezerros.

Bezerros que são deixados para mamar o colostro em suas mães, estão propensos ao maior risco de FTIP, possivelmente devido a ingestão tardia ou à ingestão de volume ou qualidade insuficiente do colostro. Portanto, é altamente recomendado um monitoramento rigoroso da ingestão de colostro em todos os sistemas, inclusive nos sistemas de contato vaca-bezerro completo.

A prática de separação vaca-bezerro logo ao nascimento, tem levantado preocupações sobre o bem-estar animal, e questões sobre a sustentabilidade e a confiança do público em relação a como os animais vivem e as práticas de manejo realizadas. Essa prática, que há muito tempo é empregada, é considerada quase que parte inevitável do processo de produção de leite, pois aumenta a quantidade de leite comercializável, proporciona menores níveis de estresse por separação, quando esta ocorre mais tardiamente, além de trazer benefícios para a saúde dos bezerros devido a melhores condições sanitárias de alojamento.

Vale salientar que a colonização da microbiota intestinal no início da vida dos bezerros desempenha um papel essencial em funções nutricionais e imunológicas, que impactam diretamente a saúde e desenvolvimento geral dos ruminantes.  Este processo é importante para o estabelecimento do sistema imunológico e o crescimento saudável dos animais. A composição e função da microbiota são influenciadas por fatores como idade, genética e ambiente, e afetam não apenas a saúde intestinal, mas também o metabolismo desses animais (Du, 2023).  

O sistema chamado de contato vaca-bezerro é definido como qualquer tipo de alojamento ou sistema de manejo que permita o contato prolongado do bezerro com sua mãe ou uma vaca adotiva no início da vida. No entanto, pouco se sabe sobre como diferentes tipos de contato vaca-bezerro (contato parcial ou total) podem contribuir para melhorar as condições na criação de bezerros.

Desafios têm sido relatados em relação ao sistema conjunto e os achados mais consistentes são as respostas comportamentais como o aumento da vocalização quando a separação ocorreu 24 horas após o parto, redução na taxa de crescimento após o desmame e a angústia por separação que é vivenciada pelo bezerro e pela vaca (Hansen, 2023).

O controle de doenças transmissíveis é um desafio, porque quando são mantidos com suas mães são alojados em grupos etários mistos. O que corrobora com um estudo realizado pela Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos (EFSA), que diz que as consequências altamente relevantes para o tipo de alojamento são distúrbios respiratórios, gastroentéricos, estresse por grupo, manejo e separação.

A separação precoce entre vacas e bezerros, embora seja defendida por alguns como uma prática necessária para a eficiência dos sistemas de produção, assim como melhoria na visão do consumidor sobre a vida dos animais, não está isenta de controvérsias. De acordo com Beaver et al. (2019), que avaliaram sistematicamente os dados de bezerros nos dois tipos de manejo, demonstraram que os dados de mortalidade, diarreia e saúde respiratória foram inconsistentes, ou seja, não indicam que um é melhor que o outro. No entanto, a saúde do úbere das vacas foi afetada positivamente e bezerros que permaneceram com suas mães tiveram maior ganho de peso diário, quando comparados com bezerros alimentados manualmente. O contato prolongado também se mostrou benéfico em relação a um risco reduzido de comportamentos anormais, como a mamada cruzada.

Wenker et al. (2022) avaliaram parâmetros de saúde e desempenho, onde os bezerros e as vacas foram divididos em três grupos: bezerro sem contato com a mãe; bezerros com contato parcial e bezerros com contato total. Os resultados mostraram que bezerros em contato com a mãe tiveram mais problemas de saúde e utilizaram mais antimicrobianos quando comparados aos bezerros sem contato com a mãe. Em contrapartida, os bezerros do grupo que ficaram em contato com a mãe apresentaram alterações benéficas na microbiota fecal e maior ganho de peso corporal durante o período de aleitamento, mas aos 6 meses de idade não houve diferenças no ganho de peso entre os tratamentos. Vacas com contato total tiveram menor produção de leite e menor percentual de gordura nas primeiras semanas de lactação.

Condições de alojamento conjunto são um grande risco para a saúde dos neonatos, infecções umbilicais, que podem migrar para as articulações, pulmões e outros órgãos, representando um risco para infecções entéricas e pulmonares tardiamente. A diarreia tem alta prevalência no período neonatal que pode ser de origem infeciosa ou nutricional. No entanto, bezerros expostos a patógenos entéricos devido ao alojamento em grupo e o contato com pisos contaminados com esterco de outros animais, pode predispor a quadros de diarreia infecciosa. Fatores como a exposição a clima inadequado, temperatura, umidade, vento, qualidade do ar e condições das camas, predispõe esses animais a maior prevalência de secreção ocular, nasal e sintomas respiratórios, o que acompanha a tendência de maior uso de antimicrobianos nesses animais. Uma possível alternativa é a permissão do contato parcial, onde o contato é restrito limitando o contato físico e impedindo a amamentação, de forma que os bezerros sejam alojados em currais adjacentes aos das vacas (Eriksson, 2022).

Apesar do sistema vaca-bezerro ser mais comum na Europa, a falta de informações em bases de dados centralizadas dificulta a análise abrangente dessa prática. No entanto, entender os benefícios e desafios associados ao contato prolongado entre vacas e bezerros é fundamental para aprimorar práticas de manejo na indústria leiteira.

Diante das divergências na literatura sobre o impacto do contato materno, são necessárias mais pesquisas para implementar o sistema em maior escala. O tema possui várias lacunas, incluindo a compreensão limitada das respostas dos bezerros em relação a separação da mãe, bem como a limitação dos dados publicados sobre a resposta da vaca a separação do bezerro. Além disso, há uma escassez de pesquisas sobre estratégias práticas para o sistema, como duração e frequência, impacto da sucção, duração ótima do período de aleitamento e estratégias de desmame.

Esta é uma demanda crescente do consumidor, que na maior parte das vezes não tem entendimento das justificativas para algumas práticas de manejo adotadas. Esforços de atividades de extensão, para aumentar o conhecimento do consumidor sobre estas práticas, podem auxiliar na melhoria de sua visão sobre os sistemas de produção de leite. Além disso, a adoção de práticas de manutenção dos bezerros com suas mães precisa de mais pesquisas e adequações de alojamento para que a produtividade e a saúde e bem-estar dos animais não sejam comprometidos. Vale começar a pensar sobre este tema e como essas questões podem afetar o consumo de produtos lácteos, assim como o dia a dia na fazenda.

 

Referências

AZEVEDO, R.A. et al. Alta CRIA 2023. Uberaba: Alta Genetics. 1ª edição. 2023.

AZEVEDO, R. A. et al. Padrão Ouro de Criação de bezerras e novilhas leiteiras. 2022.

BEAVER, Annabelle et al. Invited review: A systematic review of the effects of early separation on dairy cow and calf health. Journal of Dairy Science, v. 102, n. 7, p. 5784-5810, 2019.

COOK, Nigel B.; VON KEYSERLINGK, Marina AG. Perspective: Prolonged cow-calf contact—A dilemma or simply another step in the evolution of the dairy industry. Journal of Dairy Science, v. 107, n. 1, p. 4-8, 2024.

Dairy Calf & Heifer Association,  DCHA. Gold Standards. 2023, 4a. Edição. 20p.

DU, Yufeng et al. Colonization and development of the gut microbiome in calves. Journal of Animal Science and Biotechnology, v. 14, n. 1, p. 46, 2023.

ERIKSSON, Hanna et al. Strategies for keeping dairy cows and calves together–a cross-sectional survey study. animal, v. 16, n. 9, p. 100624, 2022.

GODDEN, Sandra. Colostrum management for dairy calves. Veterinary Clinics of North America: Food Animal Practice, v. 24, n. 1, p. 19-39, 2008.

HANSEN, Bjørn Gunnar; LANGSETH, Elise; BERGE, Camilla. Animal welfare and cow-calf contact-farmers’ attitudes, experiences and adoption barriers. Journal of Rural Studies, v. 97, p. 34-46, 2023.

WENKER, Margret Lisanne. Welfare implications of prolonged cow-calf contact in dairy farming. 2022. Tese de Doutorado. Wageningen University and Research.

WENKER, Margret L. et al. Effect of type of cow-calf contact on health, blood parameters, and performance of dairy cows and calves. Frontiers in veterinary science, v. 9, p. 855086, 2022.

INGRED CAROLINE ROCHA DE OLIVEIRA

CARLA MARIS MACHADO BITTAR

Prof. Do Depto. de Zootecnia, ESALQ/USP

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PEDRODIASABREU

IVOLÂNDIA - GOIÁS - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 25/06/2024

Gostei do artigo por trazer à discussão um tema bem relevante. Todos os técnicos que passaram pela nossa fazenda indicaram a separação das crias das mães e nós sempre resistimos. (E querem que a gente compre colostro industrial. É impressionante como a indústria direciona a formação técnica).
Acredito que o contato da cria com a mãe traz benefícios que vão muito além de "dados de planilha". Ao lidarmos com a bezerrinha que acabou de nascer e zelando por sua saúde plena, estamos cuidando de nossa futura matriz. Respeitando uma relação de mãe e filha, pois afinal são animais mamíferos, cujo contato pós natal é fundamental para a saúde de ambas.
Acredito ser fundamental introduzirmos em nossos sistemas de produção os conceitos de bem estar animal, criando uma relação harmoniosa com os animais e a natureza; bases fundamentais para uma produção sustentável.

Pedro Dias de Abreu Neto
Fazenda Taruman
Ivolândia Goiás

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