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Leite de transição para bezerras: que qualidade, quanto e por quanto tempo?

POR CRISTIANE TOMALUSKI

E CARLA MARIS MACHADO BITTAR

CARLA BITTAR

EM 26/07/2024

10 MIN DE LEITURA

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Quando o assunto é leite de transição, com certeza essa é a “pergunta de 1 milhão de reais” atualmente. A falta de uma resposta concreta e as variações observadas em diferentes estudos vem motivado muitos pesquisadores a investigar mais essa área e refinar as recomendações de nutrição de bezerros recém-nascidos.

O período de aleitamento é crucial para bezerros leiteiros, uma vez que a dieta líquida explica a maior parte do desempenho destes animais, o que tem grande influência em sua produtividade futura. Apesar de toda sua importância, esse período é caracterizado por elevadas taxa de morbidade e mortalidade, as quais estão geralmente atreladas a quadros de diarreia e doenças respiratórias bovina (DRB). A ocorrência de doenças, além de elevar os custos da criação devido aos gastos diretos com medicamento e mão-de-obra veterinária, comprometem o crescimento e bem-estar dos animais, aumentando a idade ao primeiro parto, e reduzindo a produção de leite na primeira lactação.  

De maneira contrária, quando o crescimento e a saúde dos animais jovens são favorecidos durante o período de aleitamento, impactos positivos ao longo de toda a vida produtiva podem ser obtidos, possibilitando que estas fêmeas de reposição se tornem vacas mais produtivas e, portanto, mais lucrativas para a fazenda. Por isso, a busca por estratégias nutricionais que favoreçam essas melhorias vem aumentando e em muitos casos estarão relacionadas com a nutrição do recém-nascido.

O colostro possui uma composição única, rico em anticorpos, centenas de compostos bioativos e fatores de crescimento que beneficiam o desenvolvimento dos bezerros. Tradicionalmente, em diversos sistemas de produção, o colostro é fornecido apenas nas primeiras horas de vida, visando basicamente a transferência de imunidade passiva (TIP) e na sequência o animal passa a receber leite ou sucedâneo lácteo como fonte de dieta líquida. Apesar de funcionar muito bem em diversas situações, isso contrasta fortemente com aquilo que aconteceria naturalmente se o bezerro estivesse ao pé da vaca, quando haveria consumo de leite de transição por alguns dias antes de passar a ingerir o leite integral.

O leite de transição foi definido como o intervalo entre a 2ª e a 6ª ordenha, período em que ocorre a alteração gradativa dos componentes do leite (Tabela 1).

Tabela 1. Composição do colostro, leite de transição e leite integral de vacas da raça Holandês.

Composição do colostro, leite de transição e leite integral de vacas da raça Holandês

Fonte: (Adaptado de Hammon et al., 2000).

Apesar de não apresentar uma composição tão rica quanto a do colostro, o leite de transição contém níveis elevados de gordura, proteína e de compostos bioativos, incluindo imunoglobulinas e oligossacarídeos, os quais podem aumentar o suprimento de nutrientes e favorecer o desenvolvimento intestinal desses animais. Estudos já foram realizados tentando entender os impactos do fornecimento do leite de transição e alguns resultados têm indicado efeitos positivos. Entretanto, os mecanismos pelos quais esse fornecimento pode melhorar a saúde e o desempenho dos animais ainda precisam ser melhor entendidos. Além disso, não existem dados consistentes na literatura quanto a quantidade, qualidade e tempo de suplementação do leite de transição.

Visando elucidar parte desses questionamentos, McCarthy e colaboradores (2024), realizaram um estudo em que forneceram uma mistura de substituto de colostro e sucedâneo lácteo nos primeiros dias de vida (após a colostragem), na tentativa de imitar o leite de transição materno. O objetivo dos autores foi determinar os efeitos da alimentação de bezerras leiteiras com leite de transição sobre o crescimento, ocorrência de doenças (diarreia e DRB) e o risco de mortalidade durante o período de aleitamento.

Esse trabalho foi realizado de junho a agosto de 2021, utilizando 200 bezerros, os quais foram colostrados com 2 refeições (1h e 12h após o nascimento) de 3,2 litros cada de substituto de colostro. Depois da colostragem os animais foram divididos em 4 grupos e receberam os seguintes tratamentos:

· Grupo controle: 450g de sucedâneo lácteo do 2º ao 14º dia de vida;

· Grupo transição: 380g de substituto de colostro + 225g de sucedâneo lácteo nos dias 2 e 3 e depois receberam 450g de sucedâneo lácteo até o 14º dia de vida;

· Grupo estendido: 45g de substituto de colostro + 450g de sucedâneo lácteo do 2º ao 14º dia de vida

· Grupo transição + estendido: 380g de substituto de colostro + 225g de sucedâneo lácteo nos dias 2 e 3 e depois 45g de substituto de colostro + 450g de sucedâneo lácteo do 4º ao 14º dia de vida.

A partir do 15º dia de vida todos os animais receberam 600g de sucedâneo lácteo/dia diluídos para 4 litros, até completarem 41 dias, quando começou o processo de desaleitamento, o qual foi finalizado quando os bezerros tinham 49 dias de vida.

Neste experimento, a concentração de IgG circulante não foi influenciada pelos tratamentos (Figura 1), não havendo casos de falhas na transferência de imunidade passiva (<10 g/L de IgG).

Figura 1. Efeito do fornecimento de colostro além do primeiro dia de vida em comparação com um grupo controle sobre a concentração de IgG sérica de bezerros da raça Holandês, entre 0 e 49 dias de vida.

Efeito do fornecimento de colostro além do primeiro dia de vida em comparação com um grupo controle sobre a concentração de IgG sérica de bezerros da raça Holandês, entre 0 e 49 dias de vida.

Como o fornecimento do leite de transição ocorre geralmente a partir do segundo dia de vida dos animais, essa ausência de efeito na quantidade de anticorpos circulantes é esperada, uma vez que a capacidade de absorção dessas moléculas pelos animais cai exponencialmente com o passar das horas. Entretanto, essas moléculas que foram ingeridas de forma tardia podem atuar na proteção local no intestino dos bezerros, trazendo benefícios indiretos para o desempenho dos mesmos.

Os efeitos desse fornecimento prolongado de colostro sobre o ganho médio diário (GMD) dos bezerros ainda é bastante controverso. Em dois trabalhos publicados em 2020, Kargar et al., e Van Soest et al., relataram melhoras no GMD e o peso corporal dos animais. De maneira muito parecida, Van Soest et al., (2022) mostraram que bezerros alimentados com leite de transição tiveram aumento de 300 g/d no ganho de peso quando comparados com aqueles que receberam sucedâneo lácteo. Já Berge et al., (2009) reportaram melhora no GMD somente nas primeiras 4 semanas de vida. De maneira oposta, Cantor et al. (2021), da Silva et al., (2023) e McCarthy et al., (2024) não observaram qualquer tipo de melhora com esse fornecimento. A grande divergência encontrada nos resultados pode ser explicada pelas diferentes fontes e doses de leite de transição utilizadas assim como pela variação no período de fornecimento, o que dificulta a comparação dos dados.

No estudo de McCarthy et al. (2024), o número de episódios e dias com doenças respiratórias ou com diarreia não foram diferentes entre os tratamentos. Entretanto, os autores observaram redução no risco de ocorrência de diarreia nos primeiros 21 dias de vida em 1,8 vezes para os animais do grupo Transição e de 1,6 vezes para o grupo Estendido (Figura 2). Esses benefícios podem ter sido causados pelo aumento no fornecimento de compostos bioativos ou ainda pelo maior aporte de energia nesses grupos, o que pode afetar as concentrações de IgA e outros marcadores da resposta imune dos animais.

Figura 2. Efeito do fornecimento de colostro além do primeiro dia de vida em comparação com um grupo controle sobre a probabilidade de um bezerro apresentar um quadro de diarreia usando estimativas de sobrevivência de Kaplan-Meier.

Efeito do fornecimento de colostro além do primeiro dia de vida em comparação com um grupo controle sobre a probabilidade de um bezerro apresentar um quadro de diarreia usando estimativas de sobrevivência de Kaplan-Meier.

De maneira semelhante, Chamorro et al. (2017), reportaram que o fornecimento suplementar de substituto de colostro junto com o sucedâneo lácteo nos primeiros 14 dias de vida reduziu o uso de antimicrobianos e a prevalência de doenças em bezerros em aleitamento. A confirmação desses resultados poderia ter um impacto muito importante, não apenas para produção animal, mas também para a saúde humana, uma vez que o uso indiscriminado de antimicrobianos aumenta o risco do desenvolvimento de resistência nesses microrganismos, tanto na microbiota natural quanto nas bactérias patogênicas (Marques et al., 2013).

Além disso, neste trabalho de McCarthy et al. (2024), o fornecimento de “leite de transição” apresentou efeitos positivos na sobrevivência dos animais, uma vez que os bezerros do grupo controle tiveram 3,8 vezes mais risco de morte quando comparados com aqueles do grupo Estendido (Figura 3). A redução desse índice é extremamente importante, uma vez que a mortalidade durante o período de aleitamento é uma das principais causas de perdas econômicas em fazendas leiteiras em todo o mundo.

Figura 3. Efeito do fornecimento de colostro além do primeiro dia de vida em comparação com um grupo controle sobre a probabilidade de um bezerro sobreviver durante o período de aleitamento usando estimativas de sobrevivência de Kaplan-Meier.

Efeito do fornecimento de colostro além do primeiro dia de vida em comparação com um grupo controle sobre a probabilidade de um bezerro sobreviver durante o período de aleitamento usando estimativas de sobrevivência de Kaplan-Meier.

Além desses efeitos diretos, que podem ser mensurados no dia a dia pelos produtores, outros impactos do fornecimento de leite de transição vem sendo relatados. Por exemplo, um estudo de Pyo et al., (2020), mostra que quando o leite de transição é fornecido, as vilosidades intestinais do intestino delgado são 84,5% maiores do que as dos bezerros alimentados com leite integral ou sucedâneo lácteo. Adicionalmente, também foi observado que a área de superfície do intestino delgado era 1,54 vezes maior, o que aumenta a capacidade de absorção dos nutrientes da dieta por esses bezerros. Isso indica que há possibilidade de benefícios deste fornecimento em longo prazo, o que pode resultar na criação de fêmeas de reposição com maior potencial de produção de leite.

Apesar de todos esses potenciais benefícios do fornecimento prolongado de colostro ou de leite de transição, a grande inconsistência dos dados publicados, faz com que ainda não tenhamos clareza quanto ao tempo ideal de fornecimento, quantidade e nem sobre a qualidade ideal.

Trabalhos anteriores já haviam avaliado os efeitos do fornecimento prolongado de colostro, mas os resultados ainda são bastante inconsistentes. Ainda não temos clareza quanto ao tempo ideal de fornecimento do leite de transição e nem sobre a qualidade desse leite de transição. O NASEM (2021) já recomenda a alimentação com leite de transição durante o segundo e terceiro dia de vida para melhorar a saúde e o desempenho dos bezerros. Entretanto, é necessário ainda investigarmos mais quais são os mecanismos específicos, responsáveis pelos efeitos observados para então sim, estabelecermos recomendações de manejo que sejam mais assertivas e eficientes.

 

 

Referências

BERGE, A. C. B. et al. Evaluation of the effects of oral colostrum supplementation during the first fourteen days on the health and performance of preweaned calves. Journal of Dairy Science, v. 92, n. 1, p. 286-295, 2009.

CANTOR, M. C.; RENAUD, D. L.; COSTA, J. H. C. Nutraceutical intervention with colostrum replacer: Can we reduce disease hazard, ameliorate disease severity, and improve performance in preweaned dairy calves?. Journal of Dairy Science, v. 104, n. 6, p. 7168-7176, 2021.

CHAMORRO, M. F.; CERNICCHIARO, N.; HAINES, D. M. Evaluation of the effects of colostrum replacer supplementation of the milk replacer ration on the occurrence of disease, antibiotic therapy, and performance of pre-weaned dairy calves. Journal of Dairy Science, v. 100, n. 2, p. 1378-1387, 2017.

DA SILVA, A. P. et al. Effect of maternal or formulated transition milk on the health and performance of dairy calves. Animals, v. 13, n. 10, p. 1674, 2023.

DAVIS, C.L.; DRACKLEY, J.K. The development, nutrition, and management of the young calf. Iowa State University Press, 1998.

HAMMON, H.M.; ZANKER, I.A.; BLUM, J.W. Delayed colostrum feeding affects IGF-I and insulin plasma concentrations in neonatal calves. Journal of Dairy Science, v. 83, n. 1, p. 85-92, 2000.

KARGAR, S. et al. Extended colostrum feeding for 2 weeks improves growth performance and reduces the susceptibility to diarrhea and pneumonia in neonatal Holstein dairy calves. Journal of Dairy Science, v. 103, n. 9, p. 8130-8142, 2020.

McCARTHY, H. R. et al. Effects of supplementing colostrum beyond the first day of life on growth and health parameters of preweaning Holstein heifers. Journal of Dairy Science, v. 107, n. 5, p. 3280-3291, 2024.

PYO, J. et al. Feeding colostrum or a 1: 1 colostrum: milk mixture for 3 days postnatal increases small intestinal development and minimally influences plasma glucagon-like peptide-2 and serum insulin-like growth factor-1 concentrations in Holstein bull calves. Journal of Dairy Science, v. 103, n. 5, p. 4236-4251, 2020.

VAN SOEST, B. et al. Effects of transition milk and milk replacer supplemented with colostrum replacer on growth and health of dairy calves. Journal of Dairy Science, v. 103, n. 12, p. 12104-12108, 2020.

VAN SOEST, B. et al. Transition milk stimulates intestinal development of neonatal Holstein calves. Journal of Dairy Science, v. 105, n. 8, p. 7011-7022, 2022.

CARLA MARIS MACHADO BITTAR

Prof. Do Depto. de Zootecnia, ESALQ/USP

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