ESQUECI MINHA SENHA CONTINUAR COM O FACEBOOK SOU UM NOVO USUÁRIO
FAÇA SEU LOGIN E ACESSE CONTEÚDOS EXCLUSIVOS

Acesso a matérias, novidades por newsletter, interação com as notícias e muito mais.

ENTRAR SOU UM NOVO USUÁRIO
Buscar

Pegada hídrica na produção leiteira

POR DÉBORA PANTOJO DE SOUZA

E JULIO CESAR PASCALE PALHARES

PRODUÇÃO DE LEITE

EM 18/06/2024

7 MIN DE LEITURA

0
14

Desde que a sociedade começou a se preocupar com questões ambientais, grande atenção foi dada a produção de alimentos. O aumento desta preocupação provocou o desenvolvimento de várias abordagens científicas com o objetivo de estimar o impacto ambiental dos sistemas de produção agropecuários, a eficiência de uso dos recursos naturais por estes sistemas e quanto a produção gera de resíduos.

Uma das abordagens mais conhecidas é a que denominamos como “pegada”. Como exemplos temas a pegada ecológica (hectare por produto) e de carbono (gás carbônico equivalente por produto).

Em meados do ano 2000, o pesquisador Arjen Hoekstra da Universidade de Twente/Holanda propôs a abordagem da pegada hídrica. A essência é a mesma que já vinha sendo desenvolvida pelas pegadas ecológica e de carbono, entender os sistemas de produção como elos de uma cadeia produtiva, que se inicia na geração de insumos e termina na oferta de produtos ao consumidor. A pegada hídrica da produção leiteira é comumente expressa em litros de água por litro de leite.

A abordagem da pegada hídrica considera no cálculo a água efetivamente consumida e não a água captada. No infográfico apresentado na Figura 1 se observa quais os consumos de água considerados no cálculo.

Figura 1. Fluxograma de classificação dos consumos de água na abordagem da pegada hídrica.

Fluxograma de classificação dos consumos de água na abordagem da pegada hídrica.

Assim, para quantificar a pegada hídrica, deve-se realizar o inventário de todo o processo produtivo, computando todos os usos nos diferentes consumos das águas verde, azul e cinza. A pegada hídrica total do produto é o somatório dos consumos de cada uma das águas.

Os valores da pegada hídrica são influenciados por aspectos produtivos (ex. sistema de produção, produtividade agrícola, genética e dieta dos animais, tecnologia de manejo dos dejetos, etc.) e ambientais (ex. região climática, estação do ano, etc.).

Ainda é importante citar que a “fronteira de cálculo da pegada” (que pode ser o sistema de leite da propriedade, a fazenda inteira, parte da cadeia produtiva e a cadeia completa) e a unidade de referência do cálculo (L água por L de leite, L água por L de leite corrigido para energia ou gordura e proteína, etc.) também influenciam os valores da pegada.

A abordagem da pegada hídrica permite comparar os valores do produto leite, desde que ponderado pelos aspectos citados que influenciam no resultado.

A Tabela 1 apresenta valores de pegada hídrica do produto leite. Observa-se que apesar dos estudos serem para o mesmo produto (leite), os valores apresentam diferenças significativas por serem influenciados pelos aspectos citados acima.

É possível observar que a pegada hídrica verde é sempre maior que as outras duas. Isso é uma característica da pegada quando se trata de produtos de origem animal. Já as pegadas azuis e cinza não tem um padrão, podendo uma ser maior que a outra, dependendo das premissas do cálculo.

Como a pegada hídrica é uma relação de eficiência, quanto maior a produtividade leiteira (L leite por animal por dia), menor será o valor da pegada hídrica. Portanto, eficiência produtiva tem relação direta com eficiência hídrica.

Tabela 1. Valores de pegada hídrica do produto leite.

Local

Pegada hídrica (L por kg ECM* de leite por ano

Sistema de Produção

Referência

Brasil

Pegada hídrica = 1.425

Pegada verde = 884

Pegada azul = 75

Pegada cinza = 466

Pasto com suplementação

Palhares e Pezzopane 2015

Brasil

Pegada hídrica = 502,7

Pegada verde = 434

Pegada azul = 67

Pegada cinza = 0,7

Pasto com suplementação

Palhares et al. (2019)

China

Pegada hídrica = 3.933

Pegada verde = 2.361

Pegada azul = 722

Pegada cinza = 850

Confinado

Lu et al. 2024

Estados Unidos

Pegada hídrica = 1.264

Pegada verde = 1.106

Pegada azul = 69

Pegada cinza = 89

Extensivo

Mekonnen and Hoekstra (2012)

Estados Unidos

Pegada hídrica = 605

Pegada verde = 444

Pegada azul = 61

Pegada cinza = 100

Confinado

Mekonnen and Hoekstra (2012)

*Energy Corrected Milk (ECM) = unidade de padronização utilizada para expressar a quantidade de energia do leite produzida ajustado para 3,5% de gordura e 3,2% de proteína.

 

A partir dos estudos apresentados na Tabela 1, vamos, por exemplo, entender porque os valores de pegada hídrica calculados para Estados Unidos e China no sistema confinado são diferentes. Um fator fundamental é a diferença na origem e composição da dieta dos animais. No trabalho chinês, o concentrado era composto por 56% de grão de milho, 22% de farelo de soja, 10% de trigo e 9% de farelo de trigo (Lu et al. 2024). Estes alimentos foram produzidos em regiões diferentes e algumas com escassez hídrica, o que determina o uso da irrigação (produção do trigo e da soja). Isto condiciona um maior valor da pegada hídrica azul destes produtos. Os autores demonstraram que a partir de alterações dos ingredientes da dieta, os valores de pegada hídrica poderiam ser reduzidos, sem causar impactos na produção. A substituição de silagem de milho, feno de centeio e grãos de milho por feno de alfafa e farelo de soja reduziria a PH verde em 18,7%, a azul em 70,6% e a cinza em 38,0%.

Outra característica é que a produção leiteira apresenta grande heterogeneidade na China, característica também presente no Brasil. No caso do estudo americano, as dietas foram formuladas por categoria animal, seguindo recomendações técnicas, o que determina maior eficiência de conversão da água no produto leite. Não há como ter baixos valores de pegada hídrica em sistemas produtivos com deficiências no manejo nutricional.

Observa-se que abordagem da pegada hídrica possibilita a quantificação de todos os consumos ao longo do processo produtivo, podendo identificar potencialidades e fragilidades hídricas e, para as fragilidades, propor boas práticas para promover o uso mais eficiente da água.

Produtores e técnicos podem calcular a pegada hídrica do produto ao longo do tempo, e assim avaliar o seu desempenho hídrico, propondo soluções de melhoria dos diversos manejos que influenciam o valor da pegada.

A matemática do cálculo da pegada hídrica é simples, o grande desafio é termos as informações produtivas e ambientais da propriedade e/ou da cadeia produtiva. A abordagem é bastante robusta, mas demanda várias informações, que muitas vezes, os produtores(as) não possuem ou não tem o hábito de anotar. Isto dificulta a aplicação da abordagem no contexto atual das propriedades leiteiras.

Um dos maiores gargalos para o cálculo se refere ao manejo nutricional dos animais. Ainda é comum, muitas fazendas não terem estas informações frequentemente documentadas. Como no Brasil predomina a produção de leite a pasto, informações sobre a produção da pastagem (toneladas por hectare) e a ingestão de pasto pelo animal, ainda são pouco disponíveis nas fazendas. Essa realidade obriga a quem faz o cálculo usar informações que não representam a total realidade do sistema de produção, o que confere maior incerteza ao valor da pegada. A água verde a de maior impacto no valor da pegada e o cálculo desta está diretamente relacionado ao manejo nutricional. Dietas bem formuladas de acordo os aspectos produtivos e dos animais promoverão menor valor de pegada hídrica.

Outros fatores como: grande parte dos produtores ainda não possui sistema de medição dos consumos de água da propriedade, na prática de irrigação não calculam a lâmina de água a ser aplicada, não sabem o volume de dejetos gerados por dia e nem a caracterização destes dejetos em termos de teores de nitrogênio e fósforo. Estas são algumas realidades que dificultam o cálculo da pegada hídrica de forma precisa.

Melhorias no manejo das pastagens, na oferta da dieta, na gestão dos nutrientes, na irrigação e no manejo dos dejetos promoverão menores valores da pegada hídrica do produto leite.

Enfim, o que podemos fazer para melhorar a realidade de falta de informação para o cálculo da pegada hídrica?

A resposta é: internalizar uma cultura de anotação de todas as informações relacionadas à propriedade. Isso não só reverterá em melhores cálculos de pegada hídrica, mas principalmente, em melhor conhecimento do sistema de produção pelo produtor(a) fazendo que sua tomada de decisão se dê com base em fatos, não em percepções.

Vivemos novos tempos. A relação da produção leiteira com o uso dos recursos hídricos deve ser repensada para que tenhamos água em quantidade e qualidade para continuar produzindo. Ferramentas como a pegada hídrica nos auxiliam a conhecer melhor essa relação e propor ações corretivas para continuar produzindo o mesmo litro de leite com menos litros de água.

 

Referências

LU, Y.; MA, W.; SHAO, L. Strategies to mitigate the environmental footprints of meat, egg and milk production in northern China. Journal of Cleaner Production 443 (2024) 141027, 2024. DOI: 10.1016/j.jclepro.2024.141027.

MEKONNEN, M. M.; HOEKSTRA, A. Y.  A Global Assessment of the Water Footprint of Farm Animal Products. Ecosystems (2012) 15: 401–415, 2012. DOI: 10.1007/s10021-011-9517-8.

PALHARES, J. C. P. et al. Best practice production to reduce the water footprint of dairy milk. Amb.Agua. 2019. doi:10.4136/ambi-agua.2454.

PALHARES, J. C. P.; PEZZOPANE, J. R. M. Water footprint accounting and scarcity indicators of conventional and organic dairy production systems. Journal of Cleaner Production 93 (2015) 299e307, 2015. DOI: 10.1016/j.jclepro.2015.01.035.

 

DÉBORA PANTOJO DE SOUZA

JULIO CESAR PASCALE PALHARES

Pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste

0

DEIXE SUA OPINIÃO SOBRE ESSE ARTIGO! SEGUIR COMENTÁRIOS

5000 caracteres restantes
ANEXAR IMAGEM
ANEXAR IMAGEM

Selecione a imagem

INSERIR VÍDEO
INSERIR VÍDEO

Copie o endereço (URL) do vídeo, direto da barra de endereços de seu navegador, e cole-a abaixo:

Todos os comentários são moderados pela equipe MilkPoint, e as opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva dos leitores. Contamos com sua colaboração. Obrigado.

SEU COMENTÁRIO FOI ENVIADO COM SUCESSO!

Você pode fazer mais comentários se desejar. Eles serão publicados após a analise da nossa equipe.

Assine nossa newsletter

E fique por dentro de todas as novidades do MilkPoint diretamente no seu e-mail

Obrigado! agora só falta confirmar seu e-mail.
Você receberá uma mensagem no e-mail indicado, com as instruções a serem seguidas.

Você já está logado com o e-mail informado.
Caso deseje alterar as opções de recebimento das newsletter, acesse o seu painel de controle.

MilkPoint Logo MilkPoint Ventures