A produção de produtos lácteos artesanais é uma prática tradicional que tem ganhado destaque nos últimos anos, tanto pela valorização dos métodos tradicionais quanto pela busca por produtos mais naturais e autênticos. No entanto, a produção artesanal enfrenta desafios relacionados à qualidade e segurança microbiológica, que são cruciais para a saúde do consumidor e sustentabilidade do mercado de alimentos artesanais.
Os produtos lácteos artesanais são frequentemente produzidos em pequenas propriedades rurais com técnicas que variam consideravelmente entre os produtores. Essa variabilidade pode resultar em inconsistências na qualidade e segurança dos produtos finais. A falta de padronização nos processos de produção é um dos principais desafios enfrentados pelos produtores artesanais. Sem um controle rigoroso, a presença de patógenos como Salmonella, Listeria monocytogenes, e Escherichia coli O157:H7 pode ocorrer, representando um risco significativo à saúde pública (Jay, 2000).
Um dos principais fatores que contribuem para a contaminação microbiológica em produtos lácteos artesanais é a higienização inadequada dos equipamentos e instalações. A limpeza e desinfecção eficientes são essenciais para prevenir a proliferação de microrganismos patogênicos. Estudos indicam que a utilização de práticas de higienização apropriadas pode reduzir drasticamente a contaminação microbiológica (Milanov et al., 2016). Portanto, a adoção de boas práticas de fabricação (BPF) é fundamental para garantir a qualidade e segurança dos derivados lácteos artesanais.
Outro desafio significativo é a ausência de controle de temperatura durante a produção e armazenamento dos produtos lácteos artesanais. Temperaturas inadequadas podem favorecer o crescimento de microrganismos patogênicos. Segundo Hayes et al. (2001) o controle rigoroso da temperatura é uma das medidas mais eficazes para prevenir a multiplicação de patógenos em produtos lácteos. Assim, a implementação de sistemas de controle de temperatura, como refrigeradores adequados e monitoramento contínuo, é indispensável.
A matéria-prima utilizada na produção de derivados lácteos artesanais também é um fator crítico. O leite cru, frequentemente utilizado em processos artesanais, é um veículo comum de patógenos. A pasteurização e outros tratamentos térmicos são métodos eficazes para eliminar microrganismos patogênicos do leite cru (Soyer et al., 2010). Contudo, muitos produtores artesanais evitam esses métodos para preservar as características sensoriais dos produtos. Nesse contexto, é essencial encontrar um equilíbrio entre a segurança microbiológica e a manutenção das qualidades sensoriais desejadas.
A rastreabilidade dos produtos lácteos artesanais é outra área que necessita de melhorias. A capacidade de rastrear a origem dos produtos e os passos do processo de produção é crucial para identificar e corrigir rapidamente problemas de contaminação. De acordo com a Food Safety Modernization Act (FSMA), a rastreabilidade é um componente chave para a segurança alimentar (FDA, 2011). Portanto, a implementação de sistemas de rastreamento eficazes pode aumentar a confiança dos consumidores e melhorar a gestão de riscos.
Além dos desafios mencionados, a educação e treinamento dos produtores artesanais são essenciais para melhorar a segurança microbiológica dos produtos lácteos. Programas de capacitação que abordem práticas de higienização, controle de temperatura, pasteurização e rastreabilidade são fundamentais. Estudos mostram que produtores bem treinados estão mais propensos a adotar práticas seguras e eficazes (Black et al., 2019). Portanto, investir em educação continuada é uma solução viável para os desafios enfrentados.
As políticas públicas e regulamentações também desempenham papel crucial na garantia da qualidade e segurança dos produtos lácteos artesanais. A harmonização das regulamentações pode ajudar a criar um padrão mínimo de qualidade que todos os produtores devem seguir. Isso não apenas protege os consumidores, mas também nivela o campo de atuação para todos os produtores artesanais. Segundo Trienekens & Zuurbier (2008), regulamentações claras e bem implementadas são essenciais para a segurança alimentar.
A inovação tecnológica pode oferecer soluções significativas para os desafios enfrentados pela produção artesanal de lácteos. Tecnologias como a pasteurização a baixa temperatura e tempo prolongado (LTLT) e a pasteurização a alta temperatura e curto tempo (HTST) podem proporcionar segurança microbiológica sem comprometer as qualidades sensoriais dos produtos. Além disso, o uso de culturas iniciadoras específicas pode ajudar a inibir o crescimento de patógenos, melhorando a segurança dos produtos finais (Foulquie Moreno et al., 2006).
A colaboração entre produtores, pesquisadores e órgãos reguladores é fundamental para abordar os desafios da segurança microbiológica em produtos lácteos artesanais. Parcerias público-privadas podem facilitar a pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias e práticas que possam ser adotadas pelos produtores artesanais. Além disso, essas colaborações podem promover a troca de conhecimento e experiências, fortalecendo a indústria como um todo (Helmut et al., 2014).
Finalmente, a conscientização dos consumidores sobre os riscos e benefícios dos produtos lácteos artesanais é crucial. Informar os consumidores sobre a importância da segurança microbiológica e as medidas adotadas pelos produtores pode aumentar a confiança nos produtos artesanais. Campanhas educativas e informações claras nos rótulos dos produtos podem ajudar a alcançar esse objetivo (González et al., 2010).
A qualidade e segurança microbiológica de produtos lácteos artesanais enfrentam vários desafios, desde a higienização inadequada até a falta de controle de temperatura e rastreabilidade. No entanto, soluções viáveis incluem a adoção de boas práticas de fabricação, treinamento de produtores, inovação tecnológica e colaboração entre diferentes stakeholders. Abordar esses desafios de maneira eficaz pode não apenas garantir a segurança dos consumidores, mas também promover a sustentabilidade e crescimento da indústria de lácteos artesanais.
Autores: Wanderson Rodrigues da Silva
Thalisson Gonçalves Diniz
Stefany Cristina Ferreira da Silva Gadelha
Pedro Paulo Alves Pinheiro
Sérgio Gonçalves Mota
Marciel Oliveira dos Santos
Marco Antônio Pereira da Silva
Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Processo n. 303505/2023-0), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e IF Goiano - Campus Rio Verde pelo apoio a realização da pesquisa.
Referências Bibliográficas
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