Conforme descrito anteriormente, existe uma relação direta entre a CCS do quarto e probabilidade de ocorrência IIM. A CCS do leite é realizada normalmente em amostras compostas dos quatro quartos, e dessa forma a CCS da vaca depende do status de cada quarto em relação à mastite, podendo estimar a prevalência de infecções intramamárias.
De forma geral, o aumento da CCS durante uma IIM é menos pronunciado se a análise é feita em amostra composta do que em amostra de quarto mamário, pois depende do número e da produção de quartos infectados. A CCS de uma amostra composta deve ser sempre interpretada com cuidado, pois a glândula mamária é normalmente infectada em apenas um quarto e dependendo do tipo de microrganismo causador pode haver efeito de diluição dos demais quartos sadios.
Exemplificando, considere uma situação na qual uma vaca produz 10 litros/ordenha, homogeneamente distribuídos entre os 4 quartos e que apresenta mastite em apenas um dos quarto. Além disso, considerando que os 3 quartos sadios apresentam média de CCS de 100.000 cel/ml, a CCS da amostra composta dos quatro quarto somente será superior ao limite de 200.000 cel/ml, se a CCS do quarto com mastite for superior a 700.000 cel/ml , o que muitas vezes não ocorre para os patógenos secundários, conforme ilustrado na figura 1.
Figura 1. Relação entre CCS de um quarto infectado sobre a CCS da amostra composta, considerando que os 3 quartos sadios apresentam CCS = 100.000 cel/ml (Adaptado de Ruegg, 2002)
A probabilidade de que uma vaca acima de um determinado limite de CCS esteja realmente infectada (valor preditivo positivo) ou a probabilidade de que uma vaca abaixo desse limite de CCS esteja realmente sadia (valor preditivo negativo) são dependentes da prevalência da mastite no rebanho.
Os resultados de CCS de amostras compostas são os que têm maior significado prático, pois são os mais utilizados pelos produtores em programas de controle de mastite. A CCS de amostras compostas pode ser um bom indicador da ocorrência de IIM em vacas leiteiras. No estudo de , no qual foram avaliados dados de mais de 100.000 amostras, a média do EL de vacas não-infectadas (resultados negativos de cultura microbiológica) foi de 3,0 (100.000 cel/ml) e para vacas com mastite (resultados positivos de cultura microbiológica) foi de 4,4.
Considerando todos os tipos de IIM, vacas que apresentaram EL < 3 tiveram significativamente menos IIM que o resto da população estudada e vacas com EL > 4 tiveram maior prevalência de IIM causadas por patógenos maiores (Streptococcus agalactiae, Staphylococcus aureus, estreptococos ambientais e Mycoplasma spp.).
Dessa forma, vacas livres de IIM apresentam EL < 3, o que corresponde a média geométrica de 96.000 cel/ml, mas mesmo assim para vacas com EL entre 2 e 2,9 existe uma prevalência de IIM de cerca de 34%. Alguns autores recomendam que a meta deva ser de EL médio < 2 (50.000 cel/ml) para a lactação e que reduções abaixo desse limite podem resultar em aumento do risco de ocorrência de mastite clínica.
Uso dos resultados da CCS individual
A CCS individual das vacas, quando realizada mensalmente, é uma ferramenta essencial para um programa de controle de mastite e pode ser utilizada nos seguintes casos:
a)Avaliação da prevalência de mastite subclínica;
b)Identificação de vacas com mastite crônica;
c)Estimativa da contribuição relativa de vacas com alta CCS para a CCS do tanque;
d)Estimativa das perdas de produção de leite;
e)Avaliação da qualidade do leite produzido na fazenda.
Os resultados da CCS individual das vacas podem ser utilizados para avaliar a sanidade da glândula mamária por meio da estimativa do número de animais com mastite subclínica (p. ex., vacas com CCS acima de 200.000 cel/mL de leite). Pode-se utilizar a CCS para monitorar o programa de controle de mastite adotado, bem como para identificar animais infectados cronicamente que apresentam CCS alta por vários meses e a taxa de novas infecções.
As vacas com mastite crônica podem ser identificadas e posteriormente selecionadas para descarte ou para secagem antecipada, uma vez que a terapia da vaca seca apresenta taxa de cura superior ao tratamento durante a lactação.
Para uma correta interpretação da CCS individual de vacas, recomenda-se que esses resultados sejam distribuídos em função dos dias em lactação e número de lactação dos animais, o que permite identificar a provável origem da mastite, as medidas de controle que devem ser empregadas e a eficácia geral do programa de controle. Os dados da CCS devem ser organizados de forma a possibilitar a identificação de variações sazonais e definir estratégias de controle para os períodos mais críticos do ano (Figura 2).
Figura 2. Exemplo de distribuição do escore linear de CCS em função do número de lactações (NL) e estágio de lactação (Fonte: adaptado da Clínica do Leite - ESALQ-USP).
A CCS individual é também bastante útil na identificação das vacas que mais contribuem para o aumento da CCS total do tanque. Uma vez identificadas, essas vacas com alta CCS podem ser selecionadas para os seguintes procedimentos:
Quando os resultados de CCS individual de dois meses consecutivos estão disponíveis para um determinado rebanho, pode-se criar um gráfico de dispersão, distribuindo esses resultados de acordo com a figura 5. As vacas com novas infecções são aquelas que apresentaram baixa CCS no mês anterior, e que no mês seguinte têm elevada CCS (exemplo acima de 200.000 cel/ml). As vacas com mastite crônica são as que por dois meses consecutivos apresentaram CCS elevada (p.ex. EL > 4,5).
A soma das novas infecções e das infecções crônicas representa o total de vacas com mastite subclínica do rebanho. Essa distribuição dos dados de CCS pode ser indicativa da predominância de agentes contagiosos ou ambientais. Por exemplo, em um rebanho com alta proporção de novas infecções e baixa de infecções crônicas é indicativo de mastite ambiental, geralmente causada por estreptococos ambientais e Escherichia coli. Por outro lado, rebanhos com predominância de mastite contagiosa apresentam elevada proporção de vacas com mastite crônica e baixa taxa de cura espontânea.
Figura 3. Distribuição do escore linear (EL) do mês anterior versus o EL do mês atual (Fonte: adaptado da Clínica do Leite - ESALQ-USP).
Como existe uma forte relação entre a CCS do tanque, o número de quartos infectados e as perdas de produção de leite causadas pela mastite subclínica, pode-se utilizar esses dados para calcular os prejuízos causados e, assim, justificar a necessidade de implantação de um programa de controle de mastite.
Ainda que as células somáticas presentes no leite não representem um fator de risco para a saúde humana, existe uma tendência mundial em adotar a CCS como critério geral para avaliar as condições higiênicas da produção de leite na fazenda. Portanto, a existência de barreiras não alfandegárias, como as normas sanitárias para o comércio internacional de produtos lácteos, é uma realidade e os países que não incluírem a CCS dentro dos critérios para avaliar a qualidade do leite produzido na fazenda correm o risco de ficar à margem do comércio internacional de produtos lácteos.
Fonte:
SANTOS, M. V. O uso da CCS em diferentes países In: Mesquita, A.J. Durr, J.W., Coelho, K.O. Perspectivas e avanços da qualidade do leite no Brasil. Goiânia: Editora Talento, p. 181-197, 2006.