Essas alterações podem ser identificadas por consumidores na forma de coagulação parcial ou mesmo pelo aumento da viscosidade do leite, cujas causas estão ligadas à ação de enzimas que degradam proteína e gordura. As principais origens dessas enzimas são a própria vaca (em casos de alta CCS) e dos microrganismos contaminantes do leite, destacando-se entre as suas características mais importantes a serem de ser termoestáveis, o que significa que a sua atividade hidrolítica permanece mesmo após o leite passar pelos tratamentos térmicos, como pasteurização e UAT.
Dentre os microrganismos contaminantes do leite, o grupo dos psicrotróficos, os quais podem ser classificados pela sua capacidade de multiplicação em temperatura abaixo de 7º C, independentemente da temperatura ótima de crescimento, tem importância crescente em função da refrigeração do leite cru na fazenda e do transporte de até o momento do processamento.
Quando o leite é mantido em refrigeração, depois de 48 horas, ocorre predomínio desse grupo de bactérias pela sua capacidade de multiplicação em baixas temperaturas. Nessa situação, ocorre intensa produção de proteases e lipases, cuja atuação degradativa ocorre sobre proteína e gordura do leite, respectivamente. Vale ressaltar que no caso específico da degradação de proteínas do leite, o grupo mais sensível a ação de proteases é a caseína.
Considerando a importância da contagem de microrganismos psicrotróficos do leite cru como fator crítico para a ocorrência de coagulação ou gelificação do leite UAT, foi desenvolvido um estudo na UFLA (Universidade Federal de Lavras) visando avaliar o assunto. O trabalho foi desenvolvido durante o período de 6 meses de coleta de amostras em uma indústria processadora, sendo selecionados lotes de leite de alta, média e baixa contagem de psicrotróficos (3x106; >1x106<3x106 e <1x106 ufc/ml, respectivamente). Após o processamento e envase, o leite proveniente dos lotes foram monitorados durante a sua vida de prateleira aos 0, 30, 60, 90 e 120 dias, quanto a viscosidade e ocorrência de sedimentos.
A avaliação dos sedimentos presentes no leite UAT sofreu influência da contagem de psicrotróficos do leite cru, ainda que não significativa do ponto de vista estatístico (Tabela 1). Contudo foi observado um aumento do sedimentos em todos os lotes ao longo do tempo de armazenamento. Os autores apontam que a sedimentação apresentou um comportamento crescente ao longo do tempo, o que pode estar relacionada com a carga microbiana do leite cru.
Tabela 1 Teor médio da massa de sedimentos (g/L) do leite UAT fabricado com leite cru, com 03 níveis de contagem de microrganismos psicrotróficos.
Por outro lado, a viscosidade do leite sofreu um efeito significativo da contagem de psicrotróficos, visto que os maiores valores foram observados no leite produzido com alta contagem (Tabela 2). De acordo com os autores do estudo, a produção de enzimas termoestáveis a partir de microrganismos psicrotróficos pode ter resultado em um nível elevado de proteólise da caseína do leite, o que justificaria a elevação da viscosidade, a qual é uma característica do processo de gelificação do leite UAT.
A conclusão final é de que o nível de contaminação de leite por microrganismos psicrotróficos aumenta a viscosidade e a sedimentação do leite UAT ao longo de sua vida de prateleira.
Tabela 2 Teor médio da viscosidade do leite UAT fabricado com leite cru, com 03 níveis de microrganismos psicrotróficos.
Fonte:
Abreu, et al. II Congresso Brasileiro de Qualidade do leite, 2006.