Prova de estabilidade do leite ao álcool
A prova do álcool pode ser usada como um método rápido para estimar a estabilidade das proteínas do leite, uma vez que este teste mede indiretamente a estabilidade do leite ao tratamento térmico ou ao pH (Barros, 2001). Inicialmente, a prova do álcool foi utilizada como estimativa da presença de ácido lático oriundo da fermentação de microrganismos mesófilos, mas atualmente em condições de refrigeração do leite na própria fazenda, o seu uso está relacionado com a definição da aptidão do leite ao processamento. Nesta prova, o álcool atua como um desidratante e simula as condições do aquecimento. São colocados em um tubo de ensaio 2 mL de leite mais 2 mL de etanol a 68 a 72% (v/v), de acordo com a metodologia recomendada pelo Ministério da Agricultura (M.A. Métodos analíticos oficiais para controle de produtos de origem animal e seus ingredientes. II- Métodos físicos e químicos. Brasília, MA, 1981). Caso haja floculação do leite, pode-se suspeitar de leite ácido ou com instabilidade da proteína. Outros testes que poderiam ser usados com os objetivos similares seriam: a prova da fervura, a prova do alizarol e prova da acidez titulável (Dornic).
A ocorrência de leite com instabilidade da proteína, diagnosticada pela prova do álcool, é um problema atualmente encontrado em várias regiões do Brasil. Esta situação tem sido encontrada mesmo em leite que não apresenta elevada acidez e que não seja originário de vacas com mastite. A ocorrência de leite com instabilidade de proteína resulta em matéria-prima com características inadequadas para a produção de derivados lácteos, representando prejuízos para toda a cadeia láctea.
Como as causas da instabilidade protéica do leite na grande maioria das situações a campo são desconhecidas, torna-se difícil a correção através de medidas de manejo. Baseando-se na descrição de ocorrência de fenômenos similares em outros países, como Cuba, pode-se levantar algumas das suas possíveis causas (Ponce, 1999a; Ponce 1999b):
- Desbalanço nutricional na relação Ca:P e outros desbalanços minerais
- Ação de microrganismos sobre a caseína
- Vacas com mastite
- Presença de colostro (devido ao alto nível de albumina)
- Vacas no final de lactação
Em algumas situações, cooperativas e laticínios freqüentemente encontram leite que não passa na prova do álcool a 72% (resultados positivos), ainda que o leite apresente baixa CBT (contagem bacteriana total), baixa CCS (contagem de células somáticas), pH normal e sólidos totais dentro da faixa de normalidade. A grande preocupação das indústrias, neste caso, é que o leite que não passa nesta prova (quando ocorre coagulação) poderia ter problemas de estabilidade durante o processamento térmico para a produção de derivados lácteos.
Alguns especialistas consideram que o teste do álcool é fundamental para decidir sobre o recebimento do leite na plataforma, em especial para alguns tipos de derivados lácteos como leite UHT, mas deve-se sempre ter em mente que assim como qualquer método, podem ocorrer resultados falso-positivos, e desta forma, métodos auxiliares devem ser usados como confirmação. É importante ainda lembrar que é necessário diluir o álcool na concentração correta (volume/volume) e manter esta concentração até o momento do seu uso, uma vez que uma pequena elevação de 1-2% pode produzir resultados bastante diferentes. Este fato explica porque os resultados usando álcool a 68% são diferentes daqueles do teste do álcool a 72%.
Deve-se destacar que inicialmente, o Ministério da Agricultura (M.A. Métodos analíticos oficiais para controle de produtos de origem animal e seus ingredientes. II- Métodos físicos e químicos. Brasília, MA, 1981), recomendava que a prova do álcool fosse realizada utilizando-se 68% de álcool e que atualmente a grande maioria das indústrias utiliza este mesmo teste na concentração de 78%, o que, segundo Molina et al. (2001) pode levar ao descarte do leite de forma injustificada. No estudo de Molina et al (2001) realizado no Chile, a estabilidade térmica do leite foi correlacionada com os resultados da prova do álcool a 70, 75, 80 e 85%, sendo que o leite estável a 75% de álcool apresentou estabilidade térmica de 60-70 segundos a 135o C. Não foi observada uma correlação significativa entre a resistência à prova do álcool e a estabilidade térmica do leite, o que não justificaria a utilização desta prova em concentração acima de 75% de álcool.
Ocasionalmente, alguns animais dentro de um rebanho podem apresentar o teste do álcool positivo, enquanto outros parâmetros considerados mais importantes como pH, acidez titulável e crioscopia encontram-se dentro da normalidade. O uso da prova de resistência ao álcool como um teste único para avaliar o desenvolvimento de acidez e desta forma classificar o leite quanto a sua qualidade é bastante insatisfatório. O teste é qualitativo e não quantitativo, o que significa uma grande desvantagem do método.
Como exemplo de fatores que podem afetar o desempenho deste teste, países tropicais com altas temperaturas médias terão alteração nos resultados, uma vez que a temperatura do álcool (10, 15, 20, 25 ou 30o C) pode trazer alterações nos resultados, em função da evaporação do álcool em altas temperaturas. O pH do álcool pode sofrer alterações em função da origem do álcool, assim como pela própria temperatura ambiente, e conseqüentemente provocar o aparecimento de resultados alterados. Estes fatos indicam que a qualidade do álcool a ser utilizado neste teste deve ser sempre averiguada e, adicionalmente, a solução a ser utilizada deve ser freqüentemente trocada, o que minimiza as alterações nos resultados.
Em suma, a prova do álcool pode útil para estimar a estabilidade do leite à floculação e ao tratamento durante o tratamento térmico, buscando a obtenção de produtos mais estáveis e de melhor rendimento, pois se trata de prova muito barata e de simples realização.
Adicionalmente, os resultados da prova do álcool podem indicar a necessidade de melhoria na alimentação de rebanhos. No entanto, deve-se ressaltar que os resultados desta prova não devem ser utilizadas com fator único para descontos no preço do leite, uma vez que os resultados desta prova são afetados por diversos fatores, muitos dos quais o produtor não tem controle.
Considerações finais
A prova do álcool é ainda muito utilizada como teste de plataforma para decidir sobre a aceitação ou não do leite. No entanto, nas atuais condições de resfriamento do leite na fazenda e coleta a granel, deve-se questionar a sua real utilidade, visto que esta prova pode apresentar deficiências e não ter alta correlação com a estabilidade térmica do leite, em particular quando são utilizadas concentrações de álcool acima de 75%. São necessários estudos para definir quais condições de manejo e alimentação podem aumentar a ocorrência da instabilidade do leite, visando determinar as medidas para a sua correção. Adicionalmente, são necessários estudos para determinar as condições e fatores que afetam os resultados da prova do álcool, visando definir os critérios mais adequados para a sua correta utilização.
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Fonte: adaptado de SANTOS, M. V. Aspectos não microbiológicos afetando a qualidade do leite. In: J. W. Durr; M. P. Carvalho; M. V. Santos (Org.). O compromisso com a qualidade do leite no Brasil. Passo Fundo, 2004, p. 269-283.